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sábado, 25 de fevereiro de 2012

VELHO PIAUÍ

Desde muitos anos o Piauí participa da debochação nacional, por causa das tolices que noutras Estados correm a respeito de nossas cousas. Já enviamos ao Senado da República um senador grosso nos modos e na fala, celebrizando como o Vaca Braba. Outro membro da Câmara Alta do país, filho de Piracuruca, era tipo rude, sem papas na língua, cujas besteiras a imprensa carioca gozava a valer. Certa feita os jornais do Rio narravam o episodio. Gervásio de Brito, assim se chamava o homem, participava de banquete oferecido ao presidente da República. Sentou-se ao lado de elegante senhora. Em dado momento, o representante piauiense soltou estrondoso arroto e ela quis atenuar os efeitos da incivilidade, perguntando-lhe se estava gripado. Obteve a resposta: - Não, minha senhora, eu estou é arrotando...

Pobre e triste terra, rica de episódios ridículos por parte de suas figuras políticas. Num dos seus livros, o famoso e insubstituível Stanislaw Ponte Preta, que viveu pouco, mas fez o Brasil gargalhar, narrou um caso de são Raimundo Nonato, em que as duas ARENAS não se entendiam na vida local, mas ambas apoiavam o governador Helvídio Nunes de Barros. Uma das correntes queria manter fechado o colégio que coube ao comando da outra corrente, e esta pretendia que o hospital confiado ao adversário não funcionasse. Diz o escritor que Helvídio satisfez as duas: fechou o colégio e o hospital.

Na campanha política do ano passado, o governador Alberto Silva provocou risadas frouxas numa entrevista televisada concedida a Jô Soares. Contou que no Piauí o governo construíra um novo tipo de casa, cuja cobertura, em vez de telhas, se prestava a excelente cultivo de hortaliças, de forma que o sujeito tinha as duas cousas conjugadas: a moradia e a alimentação.

A platéia riu muito e riu muito mais quando Alberto Silva deu como bem altos os vencimentos de uma professorinha cada mês, por um turno de aulas: seis mil cruzeiros.

Farto e rico anedotário piauiense que cobre o Estado e os seus filhos de ridículo. Agripino Grieco pilheriava na imprensa carioca com os nossos poetas. Dizia deles que escreviam versos quase maus.

A história do Piauí nunca se levou a sério. Nenhuma obra didática faz referencia à luta do Jenipapo. Desconhece-se o heroísmo piauiense na guerra do Paraguai e na luta de Canudos.

A imprensa do Rio, de Recife, de São Paulo, em 1931, fez gozações permanente sobre a revolução do cabo Amador, que dominou dois quartéis, o do Exército e o da Polícia, e prendeu o interventor Landri Sales.

A respeito de Teresina, aí por fora circulam piadas e deboches. Terra já teve. Aparecia e ainda aparece na imprensa com a denominação deturpada: TERESINHA. Tudo aqui chegou com muito atraso. Até a República só foi proclamada no dia 16 de novembro.

O irreverente Vitor do Espírito Santo colheu copiosas asneiras piauienses e espalhou-as pelo Brasil, pois mantinha coluna permanente em vários jornais. Não esqueceu de narrar a mancada constitucional de 1947, quando os constituintes, nas disposições transitórias, obrigaram os cearenses a construir estrada de ferro do Ceará ao Piauí.

A última do Piauí se passa no Instituto de Assistência e Previdência do Estado, o famoso IAPEP, e possivelmente noutras repartições oficiais, em que se proibiu, para recebimento de vencimento, o uso de procuração particular, mandato que o código civil brasileiro permite de maneira incontestável. Só se aceita procuração pública, passada em cartório, revogando-se a lei brasileira, que é competência do Congresso Nacional.

Deixo o meu apelo ao presidente do IAPEP, ao secretário Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco, ao governador Freitas Neto.

Procuração particular ou pública tem o mesmo valor. Procuração pública é obrigatória para os analfabetos. Chega de suplicar os humildes.


A. Tito Filho, 04/07/1991, Jornal O Dia

O GOVERNO E O LIVRO

O Plano Editorial chegou ao fim no momento em que determinou o primeiro governo Alberto Silva; incentivando as letras e o conhecimento da história do Piauí com umas quarenta obras publicadas. A administração seguinte ignorou o salutar projeto. O governador Dirceu Arcoverde teve início já em inimizade com o anterior e a praxe sempre foi de o sucesso ignorar as virtudes do sucedido. O chefe do Executivo fixou esforços noutras áreas, publicando-se poucos livros. Lembro-me das edições da história da independência no Piauí, do padre Joaquim Chaves, de um livro de poesias de Isabel Vilhena e de um de filosofia de Antônio Veríssimo de Castro. Se houve outros, a memória não me acode.

Lucídio Portella, governador seguinte, concedeu valioso apoio ao livro piauiense e para tanto contou com os bons serviços de Paulo Henrique de Araújo na direção da Companhia Editora do Piauí.

Chegaria a vez de Hugo Napoleão, com arrojado Projeto Petrônio Portella, que se equiparou ao Plano editorial de Alberto Silva. O governante contou com a inteligência e o esforço de equipe trabalhadora e decidida. Obras de criteriosa escolha foram entregues ao público. Prestei os humildes e gratuitos serviços que me atribuíram, inclusive organizando a reedição comentada do romance UM MANICACA, de Abdias Neves.

A partir de Leônidas Melo, com algumas exceções, por causa de prementes dificuldades financeiras, os governos cumpriram, uns mais, outros menos, o dever para com as letras. Muito se tem publicado sobre história, crítica, poesia, estudos sociais, geografia, ficção. Alguns livros piauienses se estenderam a outros Estados.

O Piauí viveu em grande atraso anos a fio. No tempo da independência ao menos escola pública havia. Criaram-se educandários que nunca funcionavam.

Afastado dos meios comunicativos com o Brasil e o mundo, podia-se dizer que o Piauí representava um vazio, um território imenso sem habitantes, e o pânico, pelo medo que os poucos que o habitavam tinham da indiada, das forças da natureza e dos bichos da selva. O Piauí atravessou as fases literárias do Brasil sem que delas participasse. Os primeiros poetas, o herói da independência Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco e Ovídio Saraiva, que chegou a escrever a primeira letra do Hino Nacional, são simples imitadores de clássicos portugueses. Tardio o romantismo piauiense. Quase ninguém no realismo senão os poetas parnasianos e o naturalista Abdias Neves, retratista da pecadora Teresina do fim do século XIX. A Teresina de boatos, de intrigas, de bacharelismo, do anticlericalismo da rapaziada vinda do Recife. Não se pode esquecer Da Costa e Silva, que tanto tocou o coração piauiense. O admirável Martins Napoleão, em depoimento a Herculano Moraes, se disse um neoclássico. O modernismo chegou tarde. Os novos fizeram muita cousa, e ainda aguardam que o Piauí apercebido das suas responsabilidades, enfrente as dificuldades que são grandes, na falta de mercado ledor, por razões de pobreza, a triste postura dos que podem ler e não lêem, mas exoneram o livro das suas preocupações.

Infelizmente no segundo governo Alberto Silva o Projeto Petrônio Portella praticamente foi extinto, em virtude das deficiências financeiras do Estado.


A. Tito Filho, 25/01/1991, Jornal O Dia

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

IGNORÂNCIA E PRECONCEITO

Desde que me dediquei ao estudo da história do Piauí, sempre atribui a minha humildade grande admiração a Oeiras. Várias vezes a visitei, por convite dos filhos ilustres dessa cidade-monumento de civismo. Nela compareci nas festas comemorativas das suas datas maiores, em companhia de familiares, enfrentando horas e horas de estrada em nosso próprio carro, por vezes com sacrifício do repouso. Na Academia Piauiense de Letras, publiquei livros dos seus escritores. A pedido de B. Sá e Pedro Ferrer conseguiu levar Luis Carlos Prestes à velha capital. Ainda no ano passado dei tudo de mim para homenagear a memória de Nogueira Tapety.

No recente aniversário de Teresina fui procurado por uma jornalista para entrevistar. E ela me perguntou qual a primeira razão que teria levado José Antônio Saraiva a retirar o governo de Oeiras e plantá-lo numa cidade nova construída pelo baiano. Respondi que certamente a primeira razão estava em que a cidade não prestava. Ninguém ignora a circunstância de que essas repórteres de TV passem quase uma hora a dirigir perguntas ao entrevistado, filmam a gente de várias maneiras, mas só exibem ao público um minuto da entrevista. Pura verdade. Se a minha tivesse sido toda televisada, os telespectadores teriam ouvido explicações corretas, e uma delas representada pelo completo isolamento de Oeiras, isolamento do Piauí, do Brasil e do mundo. Culpa não me cabe se Saraiva não gostava da cidade, da cidade daquele tempo. Oeiras hoje é outra, simpática e hospitaleira.

José Expedito Rego, oeirense de sete costados, romancistas de mérito, o mais notável conhecedor da velha Oeiras, escreveu que a vida na cidade antigamente seguia parada e sem futuro. Diz mais que Manuel de Sousa Martins se não tivesse a mãe velha e doente se mudava para a Bahia. Um governador confessou ao Padre Marcos que "isto aqui fica muito perdido no mundo...", "E os anos passavam no velho marasmo...", sustenta Expedito. Descreve o romancista o palácio do governo preparado para um novo presidente da Província: "... um prédio de paredes rachadas, soalho grosseiro, portas e janelas com rachaduras, móveis toscos, as cadeiras de assento preto e pregos de latão". Era o palácio do governo.

Rio Pardo, outro presidente, teve estas referências de José Expedito Rego: "Fazia-lhe mal a água de Oeiras, pouco salgada ao sensível estômago presidencial. Padecia do fígado desde a chegada. As comidas gostosas, carregavam-se de gorduras, inadequadas ao clima quente da região. Por vezes, carne enfezada. Bom mesmo, entretanto incomodativo, só o sino da matiz, batendo às onze da noite, forte, de som agradável, como os das velhas igrejas da Bahia".

Em razão disto, Rio Pardo escreveu uns versos, mais ou menos assim:

Oeiras do Piauí a capital
Em estéril terreno edificada
Só tem bom o relógio da matriz...

A jornalista me perguntou o motivo primeiro pelo qual Saraiva queria mudar a capital, respondi que Oeiras não prestava, sim, não prestava para Saraiva, pois não vivi nesse tempo. Mas sobre mim caíram raios e trovões da ignorância, mãe do preconceito e da burrice. Eis o telegrama que me passaram nove gatos-pingados que se dizem INTÉRPRETES DO SENTIMENTO POPULAR: "Interpretando sentimento popular repudiamos seu juizo sobre Oeiras infeliz e debochativa entrevista TV Clube pt Teresina merece nosso respeito pt Oeiras merece também seu respeito pt Vossência talvez não seja digno do respeito que nós lhe conferimos pt Atenciosamente aa) Rossana Ferreira, Manoel Felipe Rego, Darcy Filho, Mauro Tapety, Claudete Maria, Raimundo Batista, Celia Carneiro, Inamorato Reis, Carlos Rubem".

Meus pés, se Deus quiser me ajudar, nunca mais pisarão em Oeiras, onde existem pelo menos alguns débeis mentais.

O telegrama acima tem a responsabilidade perante o telégrafo do individuo Carlos Rubem, meio analfabeto, sem nenhuma autoridade moral para julgar quem seja digno de respeito, pois vive na gostosa maracutaia de ser promotor público de Simplício Mendes e residir em Oeiras. Aparece na comarca para enfiar na bolsa ambiciosa os dinheiros fartos do pobre Estado do Piauí.

Só se exige a dignidade alheia quando em primeiro lugar nós a possuímos.


A. Tito Filho, 24/01/1991, Jornal O Dia

O LIVRO NO FUTURO GOVERNO

No tempo do Piauí-Província, quando faleceu José Coriolano, os amigos do poeta quiseram homenagear-lhe a memória, publicando as suas poesias românticas, cujo conjunto recebeu o nome de IMPRESSÕES E GEMIDOS. Não sei se o governo participou das despesas. No Piauí-República, o governador Anísio de Abreu faz a edição da CRONOLOGIA HISTÓRICA DO ESTADO DO PIAUÍ. Leônidas Melo mandou publicar, na Imprensa Oficial, obras de João Pinheiro, Higino Cunha, Celso Pinheiro, Moura Rego, Martins Napoleão e de outros intelectuais piauienses de renome, numa das mais brilhantes fases da vida literária da terra. Adiante, Pedro Freitas mandou que as oficinas do Estado editassem o interessante trabalho que o engenheiro Sampaio escreveu sobre as nossas possibilidades econômicas. Outro governante, Helvídio Nunes, patrocinou a publicação de algumas obras aplaudidas.

Chegaria o primeiro tempo de Alberto Silva, época em que o setor da comunicação se confiou a um sujeito de valor, apaixonado pelas cousas do Piauí, chamado Armando Basto, que idealizou o PLANO EDITORIAL, convocando-se uma plêiade de prosadores, poetas e jornalistas para executá-lo. Vetou-se a minha inclusão nesse grupo de pessoas ilustres. Era o ano de 1972. Um dia recebi chamado de Armando, que autorizava nova edição de LIRA SERTANEJA, e o trabalho, feito na companhia Editora do Piauí, saíra com imperfeições, por engano do organizador da obra de Hermínio Castelo Branco. Inutilizaram-se os mil exemplares confeccionados. Recebi a tarefa de preparar edição segura, e o fiz, confiada a Deoclécio Dantas; que superintendeu a valiosa publicação, à qual juntei humildes ensinamentos sobre o vocabulário sertanejo empregado pelo autor.

Armando Bastos me determinou que preparasse outras obras. Aceitei a incumbência com a condição de me ocupar somente de autores mortos, ou de trabalhos sérios a respeito de assuntos históricos e sociais da terra piauiense.

Entreguei os originais a Deoclécio, que dirigia, com raro devotamento, a Companhia Editora do Piauí, e os livros foram publicados, com primorosa revisão, reunindo as concepções de autores notáveis como José Coriolano (reedição), Esmaragdo de Freitas, Zito Batista, José de Lima Pires Rebelo.

Armando pretendeu que mais livros se fizessem, e assim se confiaram novas edições a empresa editora do Rio de Janeiro, de cujas oficinas saiu outra vez a famosa CRONOLOGIA HISTÓRICA DO ESTADO DO PIAUÍ, de Francisco Augusto Pereira da Costa. Orientamos, Armando Basto, Deoclécio Dantas e eu, a publicação de umas quarenta obras, admirável esforço para divulgar os autores piauienses, entre os quais Odilon Nunes, nas PESQUISAS PARA A HISTÓRIA DO PIAUÍ.

Interessante ressaltar que as obras dessa fase administrativa do Piauí confiaram-se ao público e às instituições GRATUITAMENTE, dentro como fora do Estado.

Torna-se necessário que se acabe no Piauí com a triste e viciosa praxe de o governo pagar a edição e o autor vender os exemplares da obra publicada ao próprio governo.

O assunto merece mais considerações. O nosso intuito está em oferecer ao futuro governador subsídios que sirvam a administração para incentivar corretamente a cultura no Estado.


A. Tito Filho, 24/01/1991, Jornal O Dia

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

CABEÇA-DE-CUIA

A estória vigorou na poesia e na prosa de folcloristas e de estudiosos das manifestações e crendices populares. O sujeito chegou a casa, faminto, hora da bóia, e a mãe do proprio nada tinha que lhe matasse a fome. Irado, muniu-se de osso enorme, um corredor de boi, e matou de pancadas a pobre velha. Cada qual sempre contou a seu modo o episodio, gente do povo e os escritores. Antes da morte, a vítima atirou praga ao filho perverso. haveria de permanecer nas águas do rio Poti, de Teresina, e só quebraria o encantamento depois que comesse sete Marias. O assassino assim vivia. Só deixava a cabeça de fora, boiando, daí a denominação que lhe foi atribuída de cabeça-de-cuia. Causava pavor. Homens e mulheres o temiam.

No livro ENCANTO E TERROR DAS ÁGUAS PIAUIENSES, Josias Carneiro da Silva dá segura interpretação ao cabeça-de-cuia. Tem-no como incestuoso e condenado, para o desencanto, a deflorar sete Marias, proeza dificílima neste mundo de hoje, de mulheres sem cabaço.

A lenda diz comer sete Marias. Na antiguidade mitológica a fecundação independia do contato masculino e das vias naturais receptivas, como sustenta Cascudo. Houve a crença da gravidez sine cuncubito. A cobra-grande amazônica engravida cunhã sem cópula, na crença do povo. Existiu época da fecundação oral e por causa disto se emprega comer como sinônimo de copular.

Cascudo conta que numa igreja do Recife há um quadro: Nossa Senhora ajoelhada ouve um anjo mensageiro de Deus e, das alturas, desce em diagonal um raio luminoso, alcançando a orelha esquerda da mãe do Altíssimo. A fecundação teria sido por processo auricular. E o povo logo criou o conhecido dito emprenhar pelos ouvidos.

O nosso saudoso Odylo Costa, filho, fez soneto bonito, na "Cantiga Incompleta", em que fala do poder sexual das águas do Parnaíba:

"Naquele tempo, núpcias e puras,
as mulheres vestiam-se de peixes,
uma camisa ou nada sobre a pele,
nádegas, peitos, púbis ofertados,
e o rio era possuído e as possuía,
no mergulho auroral entre os barrancos".

D'Humiac escreveu obra interessante sobre algumas grandes lendas da humanidade, afirmando que o mistério do mundo se explica pela imaginação e pela razão. Concluiu que os velhos mitos estão morrendo porque a ciência os derrota como a verdade.

Josias Carneiro da Silva antevê o desaparecimento das lendas e das fantasias, porque o próprio povo, que as cria, nelas passa a desacreditar, com o correr dos tempos, por através das explicações cientificas.

A imaginação, pouco a pouco, vai sendo substituída pela razão, do modo que Josias, indulgente e sabedor, revela no citado livro extraordinário.

X   X   X

Existem notáveis folcloristas no Piauí, no passado como no presente, como João Alfredo de Freitas, nos estudos sobre lendas e superstições no norte do Brasil, obra rara nos dias correntes. Material folclórico poderá colher-se em Hermínio Castelo Branco e Teodoro Castelo Branco, poetas populares, bem assim Clodoaldo Freitas, que compôs versos interessantes a respeito de temas folclóricos. Citem-se ainda o grande Fontes Ibiapina, João Ferry, Baurélio Mangabeira, que tanto se preocuparam com as manifestações do povo e sérios pesquisadores e intérpretes desses temas, da forma que trabalhou Noé Mendes.

Cito apenas os que já saíram desta para o destino final. não citei todos, mas alguns que me chegaram à memória. Entre vivos, existem nomes respeitáveis e aplaudidos, como também entre os falecidos. Fica para outra ocasião a lembrança.
    

A. Tito Filho, 21/04/1991, Jornal O Dia

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

OS CAMINHOS DA VIOLÊNCIA

Mais um ano se foi no dia 31 de dezembro de 1990, com o seu rosário de atribulações. Veja-se o passado recente. Quantas decepções desde a quartelada de 1930. Regime ditatorial. Fracasso da legislação trabalhista. A derriba de Goulart pela hipocrisia da classe média e pelos de Goulart pela hipocrisia da classe média e pelos interesses das elites, que, amedrontadas, saíram às ruas, nas grotescas marchas em nome de Deus, da pátria e da família, em busca de generais e tanques respectivos para a afirmação de uma longa e desalmada ditadura. Vinte anos de militarismo, continuação de antiga e criminosa dissipação de dinheiros públicos, o mesmo processo endêmico da fome e da doença. Passam-se os anos e chega-se à vergonhosa deterioração do ensino público, hospitais falidos, roubalheiras, enriquecimento fácil, descrédito generalizado. A cada ano diminui a renda dos 90 por cento dos patrícios que auferem ganhos miseráveis.

Ano por ano o brasileiro desespera. O país se torna abúlico. Milhões de analfabetos. Instituições públicas desacreditadas. Burocracia enervante e obtusa. Burlam-se as leis e suas determinações pelo torto e pelo direito. No dia-a-dia do tempo descobrem-se cada vez mais fraudes, capiloçadas, mordomias vergonhosas. Jamais se viu o Brasil na situação das últimas épocas. Nada mais funciona. Cultura abandonada e empacotada, a arremedar costumes e hábitos dos Estados Unidos. Desemprego e subemprego. Incompetência. Instituição do ócio para o funcionário público, consubstanciado nos feriadões e multiplicação de feriados desnecessários.

A euforia industrializante de Juscelino Kubistchek deu no que deu, a fuga do campo, de onde se desviaram os recursos da agricultura, em muitas áreas nacionais. Busca da cidade e a criação das megalópoles, de falso ganho. Favelização intensiva de enormes centros urbanos, inclusive debaixo das pontes de concreto.

A ignorância tem levado à inchação populacional. O desequilíbrio social, representado pelas elites fúteis, ociosas e esbanjadores, de número reduzido, e pelos milhões de párias famintos e andrajosos e doentes, vem provocando a violência dos seqüestros, dos assaltos, dos assassinatos brutais. Os preços não há quem os siga, sobem sempre e descontroladamente.

O presidente Fernando Collor, na campanha eleitoral, fez promessas que o tornaram símbolo das esperanças dos brasileiros. Desapareceriam os marajás, indivíduos privilegiados de lucros absurdos. Haveria a moralização da vida pública. Derrotar-se-ia a inflação. Chegou o Natal. Prossegue o cortejo de malefícios. A única medida real até agora foi o confisco absurdo e ilegal dos dinheiros dos brasileiros confiados aos estabelecimentos bancários.

A ministra Zélia Melo culpa os empresários por tantas aflições. Mas como evitar que a indústria e o comércio não aumentem preços, se o próprio governo presidencial aumenta mês por mês o preço dos combustíveis, as taxas de correio, de luz, e telefone, do pão, do leite, dos transportes?

Inflação, deflação, recessão, choques, e quanto vocabulário haja, tudo faz parte do quotidiano do brasileiro. As despesas do tesouro continuam espantosas. Agora mesmo, quando se gastou com a visita de Bush ao Brasil, por pouco mais de 24 horas? Quanto custou o aparato policial? A comedoria e a bebedoria para que dois governantes se abraçassem e se fizessem rapapés? Os dois presidentes, com as técnicas avançadas de hoje, bem poderiam entender-se por telefone, com a circunstância de que se dispensariam intérpretes, uma vez que o presidente brasileiro domina a língua inglesa.

O Brasil, desde março, vive também o problema dos salários, um dos fundamentos da política econômica do governo. A partir de janeiro de 1991, o salário mínimo passará a pouco mais de doze mil cruzeiros. É possível viver com essa raquítica paga do trabalho humano? Nem um débil mental admitiria que tal importância pudesse prover as necessidades do individuo, quanto mais da constelação familiar.

Quanto ganham o presidente, os ministros, os parlamentares, os magistrados dos tribunais, os técnicos, os altos servidores das estatais? Ganham milhões, mas não há diferença entre as barrigas dos bem aquinhoados e os pobres diabos dos mínimos salários.

Do jeito em que se encontra o desequilíbrio social, ninguém pode ignorar de onde vem a violência.


A. Tito Filho, 26/01/1991, Jornal O Dia