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terça-feira, 27 de março de 2012

OSCAR WILDE

Oscar Wilde foi homossexual numa época em que se punia a homossexualidade como crime. Tinha o escritor inglês ódio à sua sociedade. Este o seu maior crime: o movimento chamado esteticismo. O movimento estético representou uma revolta, e uma revolta séria. Por quê? Porque "atacou nas suas raízes a moral do século passado".

Era a época da rainha Vitória. Começava o império da máquina. A civilização da máquina. A civilização industrial - a máquina cruel, a máquina dominadora, do homem. Tomava assento na sociedade a aristocracia do dinheiro. A aristocracia do dinheiro. A aristocracia do crime. Ignorava-se o mal, ou fingia-se ignorá-lo, como ainda hoje. Wilde voltou-se contra a hipocrisia social, contra a sociedade cega e ignorante, contra o desprezo que a sua sociedade, escrava da máquina e do dinheiro, dedicava ao saber. Daí escrever num estilo brilhante e artificioso, sem esquecer de revelar a doença social do tempo.

O Retrato de Dorian Gray deve ser, antes de tudo, analisado para que seja compreendido. É a história de Lord Henry e Dorian Gray: “O primeiro dedica-se à missão de corromper a mocidade, mas encontra no segundo um terreno maravilhosamente preparado. Dorian Gray percorre toda a gama dos vícios: preguiçoso e vicioso por princípio, nada o deterá, nem o homicídio. O seu amigo, o artista que lhe pinta o retrato, é a vítima naturalmente designada. Apesar dos excessos de toda ordem que Dorian Gray comete o seu rosto não apresenta nenhum dos estigmas do vício.

"Aparentemente, continua jovem e cândido. Mas o retrato é que se modifica e reflete os sinais característicos duma vida de deboche. Um dia o artista vem visitá-lo e Dorian num acesso de ódio furioso, mata-o. Dirige-se então a um moço químico, a quem domina por conhecer uma falta por ele cometida na mocidade, e obriga-o a destruir o cadáver por um processo químico. A história termina por uma forma em que muita gente julgou ver moralidade. Dorian continua a rolar pela senda do mal e é com uma raiva dia a dia maior que nota as graduais alterações do retrato. Acaba por decidir dar cabo da tela. Sobe ao sótão onde a tinha escondido, na intenção de rasgá-la a navalhadas, mas volta a arma contra o próprio peito. O seu rosto, na morte, apresenta os mesmo sintomas de corrupção que tinha o retrato. Na tela aparece, então, a imagem dum rapaz".

Wilde descobriu a mentira escondida como princípio moral dos homens. Procurou mostrar que a sua sociedade, que a sociedade do dinheiro, praticava todos os vícios e todas misérias e maldades, sob capa de regras morais exteriores. Wilde praticava o homossexualismo às claras, ao contrário de muitos. Defendia a preguiça e glorificava o vício - e praticava este último abertamente, fugindo è regra geral dos que o praticavam às escondidas. Desafiava a sociedade: "Assim (como eu) é que realmente sois vós, ao menos, temos a coragem de viver às claras".

Mostrando na sua própria pessoa a personalidade do homem na vida social, Wilde combateu a sociedade. A sua teoria era: a vida segue a arte, isto é, o artista revela a sociedade, ainda que a sociedade se esconda na hipocrisia. Os tipos criminosos sempre existiram, mas não estavam revelados. Shakespeare mostrou-os, em imperecível obra de arte, antes que a vida os conhecesse. A vida segue a arte, isto é, a vida social pratica às escondidas aquilo que o artista revela.

Em O Retrato de Dorian Gray, Wilde revelou-se, revelando o lado noturno da sua existência. Wilde voltou. Está vivo. O seu esteticismo foi a revolta contra uma época - época, segundo Carpeaux, que ameaçava a existência da arte e do artista. Afirmando a revalorização de Wilde. Carpeaux pergunta como se explica essa revalorização. Desaparecimento dos preconceitos contra o escritor homossexual denunciador do vício em sociedade? O gosto literário de hoje está distante do gosto literário do tempo de Wilde. Não pode Wilde ser admirado hoje pelos processos estilísticos de que se utilizou. Mas a sua obra "apresenta problemas atuais e inelutáveis". Carpeaux acrescenta: "Wilde voltou a ser nosso companheiro na luta pela autonomia espiritual do indivíduo; e, nesse sentido, minhas linhas suas continuam atuais e preciosas".


A. Tito Filho, 26-27/05/1991, Jornal O Dia – p. 4 

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