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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

IGNORÂNCIA E PRECONCEITO

Desde que me dediquei ao estudo da história do Piauí, sempre atribui a minha humildade grande admiração a Oeiras. Várias vezes a visitei, por convite dos filhos ilustres dessa cidade-monumento de civismo. Nela compareci nas festas comemorativas das suas datas maiores, em companhia de familiares, enfrentando horas e horas de estrada em nosso próprio carro, por vezes com sacrifício do repouso. Na Academia Piauiense de Letras, publiquei livros dos seus escritores. A pedido de B. Sá e Pedro Ferrer conseguiu levar Luis Carlos Prestes à velha capital. Ainda no ano passado dei tudo de mim para homenagear a memória de Nogueira Tapety.

No recente aniversário de Teresina fui procurado por uma jornalista para entrevistar. E ela me perguntou qual a primeira razão que teria levado José Antônio Saraiva a retirar o governo de Oeiras e plantá-lo numa cidade nova construída pelo baiano. Respondi que certamente a primeira razão estava em que a cidade não prestava. Ninguém ignora a circunstância de que essas repórteres de TV passem quase uma hora a dirigir perguntas ao entrevistado, filmam a gente de várias maneiras, mas só exibem ao público um minuto da entrevista. Pura verdade. Se a minha tivesse sido toda televisada, os telespectadores teriam ouvido explicações corretas, e uma delas representada pelo completo isolamento de Oeiras, isolamento do Piauí, do Brasil e do mundo. Culpa não me cabe se Saraiva não gostava da cidade, da cidade daquele tempo. Oeiras hoje é outra, simpática e hospitaleira.

José Expedito Rego, oeirense de sete costados, romancistas de mérito, o mais notável conhecedor da velha Oeiras, escreveu que a vida na cidade antigamente seguia parada e sem futuro. Diz mais que Manuel de Sousa Martins se não tivesse a mãe velha e doente se mudava para a Bahia. Um governador confessou ao Padre Marcos que "isto aqui fica muito perdido no mundo...", "E os anos passavam no velho marasmo...", sustenta Expedito. Descreve o romancista o palácio do governo preparado para um novo presidente da Província: "... um prédio de paredes rachadas, soalho grosseiro, portas e janelas com rachaduras, móveis toscos, as cadeiras de assento preto e pregos de latão". Era o palácio do governo.

Rio Pardo, outro presidente, teve estas referências de José Expedito Rego: "Fazia-lhe mal a água de Oeiras, pouco salgada ao sensível estômago presidencial. Padecia do fígado desde a chegada. As comidas gostosas, carregavam-se de gorduras, inadequadas ao clima quente da região. Por vezes, carne enfezada. Bom mesmo, entretanto incomodativo, só o sino da matiz, batendo às onze da noite, forte, de som agradável, como os das velhas igrejas da Bahia".

Em razão disto, Rio Pardo escreveu uns versos, mais ou menos assim:

Oeiras do Piauí a capital
Em estéril terreno edificada
Só tem bom o relógio da matriz...

A jornalista me perguntou o motivo primeiro pelo qual Saraiva queria mudar a capital, respondi que Oeiras não prestava, sim, não prestava para Saraiva, pois não vivi nesse tempo. Mas sobre mim caíram raios e trovões da ignorância, mãe do preconceito e da burrice. Eis o telegrama que me passaram nove gatos-pingados que se dizem INTÉRPRETES DO SENTIMENTO POPULAR: "Interpretando sentimento popular repudiamos seu juizo sobre Oeiras infeliz e debochativa entrevista TV Clube pt Teresina merece nosso respeito pt Oeiras merece também seu respeito pt Vossência talvez não seja digno do respeito que nós lhe conferimos pt Atenciosamente aa) Rossana Ferreira, Manoel Felipe Rego, Darcy Filho, Mauro Tapety, Claudete Maria, Raimundo Batista, Celia Carneiro, Inamorato Reis, Carlos Rubem".

Meus pés, se Deus quiser me ajudar, nunca mais pisarão em Oeiras, onde existem pelo menos alguns débeis mentais.

O telegrama acima tem a responsabilidade perante o telégrafo do individuo Carlos Rubem, meio analfabeto, sem nenhuma autoridade moral para julgar quem seja digno de respeito, pois vive na gostosa maracutaia de ser promotor público de Simplício Mendes e residir em Oeiras. Aparece na comarca para enfiar na bolsa ambiciosa os dinheiros fartos do pobre Estado do Piauí.

Só se exige a dignidade alheia quando em primeiro lugar nós a possuímos.


A. Tito Filho, 24/01/1991, Jornal O Dia

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