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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

OS CAMINHOS DA VIOLÊNCIA

Mais um ano se foi no dia 31 de dezembro de 1990, com o seu rosário de atribulações. Veja-se o passado recente. Quantas decepções desde a quartelada de 1930. Regime ditatorial. Fracasso da legislação trabalhista. A derriba de Goulart pela hipocrisia da classe média e pelos de Goulart pela hipocrisia da classe média e pelos interesses das elites, que, amedrontadas, saíram às ruas, nas grotescas marchas em nome de Deus, da pátria e da família, em busca de generais e tanques respectivos para a afirmação de uma longa e desalmada ditadura. Vinte anos de militarismo, continuação de antiga e criminosa dissipação de dinheiros públicos, o mesmo processo endêmico da fome e da doença. Passam-se os anos e chega-se à vergonhosa deterioração do ensino público, hospitais falidos, roubalheiras, enriquecimento fácil, descrédito generalizado. A cada ano diminui a renda dos 90 por cento dos patrícios que auferem ganhos miseráveis.

Ano por ano o brasileiro desespera. O país se torna abúlico. Milhões de analfabetos. Instituições públicas desacreditadas. Burocracia enervante e obtusa. Burlam-se as leis e suas determinações pelo torto e pelo direito. No dia-a-dia do tempo descobrem-se cada vez mais fraudes, capiloçadas, mordomias vergonhosas. Jamais se viu o Brasil na situação das últimas épocas. Nada mais funciona. Cultura abandonada e empacotada, a arremedar costumes e hábitos dos Estados Unidos. Desemprego e subemprego. Incompetência. Instituição do ócio para o funcionário público, consubstanciado nos feriadões e multiplicação de feriados desnecessários.

A euforia industrializante de Juscelino Kubistchek deu no que deu, a fuga do campo, de onde se desviaram os recursos da agricultura, em muitas áreas nacionais. Busca da cidade e a criação das megalópoles, de falso ganho. Favelização intensiva de enormes centros urbanos, inclusive debaixo das pontes de concreto.

A ignorância tem levado à inchação populacional. O desequilíbrio social, representado pelas elites fúteis, ociosas e esbanjadores, de número reduzido, e pelos milhões de párias famintos e andrajosos e doentes, vem provocando a violência dos seqüestros, dos assaltos, dos assassinatos brutais. Os preços não há quem os siga, sobem sempre e descontroladamente.

O presidente Fernando Collor, na campanha eleitoral, fez promessas que o tornaram símbolo das esperanças dos brasileiros. Desapareceriam os marajás, indivíduos privilegiados de lucros absurdos. Haveria a moralização da vida pública. Derrotar-se-ia a inflação. Chegou o Natal. Prossegue o cortejo de malefícios. A única medida real até agora foi o confisco absurdo e ilegal dos dinheiros dos brasileiros confiados aos estabelecimentos bancários.

A ministra Zélia Melo culpa os empresários por tantas aflições. Mas como evitar que a indústria e o comércio não aumentem preços, se o próprio governo presidencial aumenta mês por mês o preço dos combustíveis, as taxas de correio, de luz, e telefone, do pão, do leite, dos transportes?

Inflação, deflação, recessão, choques, e quanto vocabulário haja, tudo faz parte do quotidiano do brasileiro. As despesas do tesouro continuam espantosas. Agora mesmo, quando se gastou com a visita de Bush ao Brasil, por pouco mais de 24 horas? Quanto custou o aparato policial? A comedoria e a bebedoria para que dois governantes se abraçassem e se fizessem rapapés? Os dois presidentes, com as técnicas avançadas de hoje, bem poderiam entender-se por telefone, com a circunstância de que se dispensariam intérpretes, uma vez que o presidente brasileiro domina a língua inglesa.

O Brasil, desde março, vive também o problema dos salários, um dos fundamentos da política econômica do governo. A partir de janeiro de 1991, o salário mínimo passará a pouco mais de doze mil cruzeiros. É possível viver com essa raquítica paga do trabalho humano? Nem um débil mental admitiria que tal importância pudesse prover as necessidades do individuo, quanto mais da constelação familiar.

Quanto ganham o presidente, os ministros, os parlamentares, os magistrados dos tribunais, os técnicos, os altos servidores das estatais? Ganham milhões, mas não há diferença entre as barrigas dos bem aquinhoados e os pobres diabos dos mínimos salários.

Do jeito em que se encontra o desequilíbrio social, ninguém pode ignorar de onde vem a violência.


A. Tito Filho, 26/01/1991, Jornal O Dia

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