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sexta-feira, 20 de abril de 2012

AS CIDADES

Érico Veríssimo acentuou que não existem neste mundo duas cidades iguais. Cada qual tem características próprias e essas características se transformam, para melhor ou para pior, com o passar dos anos. Há cidades feias e bonitas. Simpáticas e antipáticas. Exageradas no tamanho das cousas. Sujas. Higiênicas. De gente educada e deseducada. Cidades pouco inteligentes. Outras de gente sábia. Cidades do crime. Cidades verticais. Friorentas. Quentes. Litorâneas e não. Progressistas e não. Cidades-fantasmas. Artificiais e naturais. Cidades-arte. Cidades tortas. Outras cheias de altos e baixos. Turísticas. Atrasadas.

Teresina foi afetiva, pitoresca, fraterna. Era bom residir por cá. Com o correr do tempo, tornou-se cidade plena de problemas intensos, onde campeiam o crime e a sujeira. Hoje favelizada. Horrível. Alguns milionários e milhares de miseráveis, rotos e famintos.

Em 1850, a 5 de novembro, chegou a Oeiras o novo presidente da Província do Piauí, o baiano José Antônia Saraiva, moço ainda, que assumiu o governo no dia 7, data comemorativa da independência do Brasil.

Uma feita, Wilson Brandão, Odilon Nunes, Dagoberto Júnior, Padre Joaquim Chaves e eu pedimos ao governador que considerasse a verdadeira data oficial maior do Piauí, o 24 de janeiro, em Oeiras. Pois bem. Em Parnaíba se declarou guerra e se armaram cinco forcas, uma para cada um dos que queriam restabelecer a verdade histórica.

Mas volto a Oeiras. Uma mocinha, repórter de TV, me perguntou o motivo principal pelo qual Saraiva trouxe a capital para Teresina. Respondi com o pensamento de Saraiva que Oeiras não prestava. Referi-me a Oeiras de 1850. A mesma cousa diz o notável romancista José Expedito Rego, oeirense de muitos costados. Várias presidências da Província quiseram mudar a sede do governo, finalmente conseguida em 1852.

Padre Chaves transcreveu o oficio que Saraiva mandou ao conselheiro de Estado Visconde de Monte Alegre sobre a transferência. OEIRAS ESTÁ NO LUGAR MAIS IMPRÓPRIO E MAIS INCOVENIENTE DE TODA A PROVINCIA - DEVO FALAR NA MISÉRIA DE OEIRAS NOS MESES DE SECA, NENHUM PROGRESSO CIENTÍFICO E LITERÁRIO DA CAPITAL DO PIAUÍ, NA DIFICULDADE DE SUAS RELAÇÕES COMERCIAIS E POLÍTICAS QUE SE REDUZEM ÀS PRECISAS E ABSOLUTAMENTE INDISPENSÁVEIS PARA EXISTIR NESTE DESERTO - SÓ EXISTEM DOIS PRÉDIOS NACIONAIS NESTA CAPITAL. A carta tem a data de 20 de dezembro de 1850.

Disse eu em entrevista que para Saraiva Oeiras não prestava. Citei a verdade histórica, indiscutível. Oeiras não tinha comunicação com o resto do Piauí, com o Brasil. Era um ermo. Um deserto, como lhe chamou Saraiva.

Diariamente se diz que Duque de Caxias, no Rio, é a cidade do crime e ninguém se zanga com a verdade. Diz-se que Teresina tem lixo por todos os cantos e pessoa alguma se aborrece. A obrigação de limpá-la cabe ao prefeito, e assim ele vem praticando. Toda vez que fala à TV digo que Teresina vive de futilidades e jamais recebi telegrama de xingamento.

Não vivi no tempo de Saraiva. Para dizer que Oeiras daquele tempo não prestava baseei-me no próprio Saraiva e em Expedito Rego, romancista de escol, vivinho, vivendo em Floriano. Pois bem. Não ofendi a dignidade de um só oeirense. A minha dedicação à Oeiras, todos os momentos, não me permitiria ofender os oeirenses. Recebi, porém, um telegrama, que só se dirige a cafajeste, ou a moleque de porta de bodega: VOSSÊNCIA TALVEZ NÂO SEJA DIGNO DE RESPEITO QUE NÓS LHE CONFERIMOS. Graças a Deus tenho merecido o respeito dos meus concidadãos, porque nunca desservi ou repudiei minha terra. Ignorante será aquele que não reconhece os defeitos os defeitos da cidade onde se nasceu. O bairrismo não indica educação. Pelo contrário. Deseducado é o que pensa que a sua terra vale mais do que a terra alheia.

Entre os signatários do telegrama de insulto está o promotor de Simplício Mendes, xingador, e bem poderia, pelo cargo que exerce, proteger a personalidade dos semelhantes. Esse indivíduo de vez em quando me aparecia, para reclamar cooperação, que jamais lhe neguei. Agora mesmo estou com livro que me confiou.

Soube que outro se zangou, um doutor em seu chefe de gabinete. Foi chefe de gabinete no governo Hugo Napoleão, chefe de gabinete no governo Alberto Silva, chefe de gabinete no governo Freitas Neto. Trapezista famoso. Não larga o peito de governo.

Oeiras do tempo de Saraiva mudou um bocado: tem uma universidade de diplomar indivíduos em falta de educação. Por ora, nove bons alunos, que já aprenderam a xingar o próximo de INDIGNO. Está progredindo muito a cidade que Saraiva exonerou de capital do Piauí porque era boa demais. Tinha o Mocha, grande rio permanente.

Sou INDIGNO de certos indivíduos de Oeiras. Com muita honra.
  

A. Tito Filho, 01/09/1991, Jornal O Dia, p. 4

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