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sexta-feira, 20 de abril de 2012

QUARENTA ANOS

Em 1937, Getúlio Vargas, a 10 de novembro, fundou perverso sistema ditatorial no país. Aferrolhou-se a imprensa, com o estabelecimento de severa censura. Se não me deslembro, circulavam em Teresina uns três jornais: o "Diário Oficial", "O Tempo", "O Momento". Desapareceram em pouco tempo, os dois últimos. A liberdade retornou em 1945. Surgiram outras folhas, agora na defesa de partidos políticos.

O jornal "O DIA", sob a direção de Abdias Neves, surgiu em 14 de julho de 1923, e como dizemos de outros teve a vida efêmera. Ressurgiria, porém, em 1 de fevereiro de 1951, fundado e dirigido por Raimundo Leão Monteiro, conhecido por Mundico Santídio, certamente porque o pai se chamou Santídio Monteiro, que dirigiu a Usina Elétrica de Teresina e que denunciou o secretário da Fazenda de pagar a luz de sua residência o castigo de suspensão por dez dias. Os operários declararam-se em greve e a cidade passou a viver às escuras.

Mundico Santídio havia andado pela Alemanha. Até arranhava mais ou menos a língua desse país europeu. Dedicou-se em Teresina ao magistério e a outras atividades. Acabou por criar um jornal com o mesmo nome de outro que se havia finado. Tinha queda para trabalhar com máquinas. Baixote, roliço, pançudo, vermelhão, exibia defeito numa das mãos, que era um tanto enrolada e voltada para trás, o que lhe valeu o apelido de Mão de Paca. Assim mesmo, de mão boba, despertava grande paixão nas mulheres.

O jornal, de formato regular, saía de manhã, duas vezes por semana. Mundico compunha os, revisava-os, paginava-os. Também entendia da impressão. Não escrevia uma linha sequer, mas possuía uma equipe de jornalistas talentosos, que refletiam o pensamento e as idéias dos autores, que nada assinavam. Mundico Santídio publicava-os com os pseudônimos, pois não queria assumir responsabilidades. Não se estampavam reportagens, nem o dono e diretor da folha expunha opinião alguma, exonerava-se dos chamados editoriais. Nesta fase, o órgão contou com a valiosa colaboração de um jornalista entendido no assunto, Oriosvaldo Bugyja Britto, sujeito de memória formidável, ainda hoje vivo.

Deixei o jornal quando Mundico, interrogado pela justiça, sustentou que a autoria de artigo de critica a Lucídio Portella Nunes me pertencia. Fui processado e absolvido por unanimidade, num júri descontraído e alegre que um dia relatarei.

Voltei ao "O DIA" sob a direção de Octávio Miranda, que o adquiriu por compra. Trabalhava com Deoclécio Dantas, jornalista de pulso, e a mim cabia a redação dos editoriais de primeira página. Era bom. Ao lado da sede, funcionava o bar do Raimundão, dono e ao mesmo [tempo] garçom do estabelecimento. Na mesa do boteco eu escrevia os artigos, esperava sempre por duas revisões, muita paciência conseguida com cervejas geladas. Eu e Deoclécio dirigíamos a opinião pública. O jornal ditava a lei e os costumes. Mas entre mim e Octávio Miranda se davam desentendimentos. Despedia-me do trabalho, sempre gratuito, mas a ele voltava ao menor aceno do chefe.

Lá um dia saí mais uma vez para retornar anos depois. E agora me encontro, festejando, com os operários, os redatores, os revisores e o devotado José Fortes Filho, capaz e tarimbado, os triunfos de Octávio Miranda, de cuja estima gosto de participar, no zelo de um órgão de imprensa que pertence ao patrimônio histórico, social e espiritual dos teresinenses, graças à firmeza com que o dirige, faz anos, a força de vontade do seu proprietário e dos seus auxiliares.

Ainda escreverei a minha longa trajetória neste jornal.

Os quarentas anos de "O DIA" constituem uma lição de trabalho a serviço da coletividade piauiense, um exemplo sobretudo de extraordinário bem-querer notadamente aos teresinenses. As dores e as alegrias de Teresina se registraram, durante quatro décadas, nas páginas deste jornal, numa dedicação constante dos sentimentos de todos os que o fazem, material como intelectualmente.


A. Tito Filho, 01/02/1991, Jornal O Dia, p. 4

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