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segunda-feira, 30 de abril de 2012

TEMPO DE RUMINAR

De primeiro o pessoal se formava em Medicina, engenharia e Direito, também em Odontologia e Farmácia. Era só. Famosos os bacharéis da Faculdade do Recife e os médicos da Faculdade da Bahia. Engenheiro, cousa rara. Criaram-se depois os cursos de filosofia para o preparo de professores. Difícil encontrar veterinário. Agrônomo constituía animal raro. Com a instituição das universidades, nas capitais, nas grandes cidades, nas pequenas coletividades - às vezes quatro ou mais no mesmo centro populacional, a tradição de doutores se tornou problema sem solução, por causa da ociosidade desses milhares de novos médicos, advogados, engenheiros, dentistas, boticários e professores sem mercado de trabalho. Não se cumprem os objetivos universitários mais importantes: a preparação das lideranças e a educação integral da coletividade. A escola superior mal prepara centenas e centenas de profissionais ano por ano.

Milhões de analfabetos povoam o território nacional. Meninos doentes, famintos, sem roupa, sem transporte. O ensino médio cada dia mais se desacredita. As escolas oficiais não ensinam nem educam. As particulares exploram e engordam os proprietários ricos e poderosos. Dá-se o Brasil o luxo de criar universidades acessíveis aos jovens milionários que podem pagar a peso de ouro cursinhos preparatórios de perguntas e respostas empacotadas, como se cultura a gente pudesse comprar na quitanda da esquina.

Dizem os maledicentes que o Piauí não dá alfaiate, garçom e governador que prestem. Nem tanto. Alfaiate constitui tipo profissional exclusivo de grandes empresários, ministros, presidente da República, e dentre estes últimos se deve citar Sarney, usador de antiquados paletós de seis botões, o velho jaquetão. Conheço alguns garçons de bom serviço, educados e bem postos, sobretudo os que se aprumam no dinner-jacket, como se estivessem enfeitados para um réveillon de clube dos granfas. Quanto a governantes, o Piauí tem dado alguns de bom desempenho. Mas seria honesto que as universidades nacionais preparassem alfaiates, garçons e governadores e também mulheres cortadoras de pano, garçoas e governatrizes para abastecimento dos Estados ditos membros da República Federativa.

Igualmente as centenas de universidades espalhadas até no arraial de Pendura Saia poderiam preparar com esmero pichadores de paredes e cassadores, motoristas, trocadores de ônibus, passistas de escolas de samba, estripitiseres, policiais, garis - e até que se criassem escolas para que pistoleiros matassem sem violência, de modo afetuoso, e que remarcadores de supermercados fossem mais humanos e dono de boi tivesse mais pena da gente.

Enfim, o Brasil deve cuidar do ensino das humanidades - aquele ensino que preparou gerações e gerações de moços de futuro certo e promissor. A universidade tem outra finalidade, nunca a de fabricar homens para a mendicância de empregos públicos, humilhados de uma vida vazia, sem caminho, sem triunfo - o triunfo da utilidade pelo trabalho construtivo.

É tempo de ruminar sobre estas inofensivas considerações.


A. Tito Filho, 17/05/1991, Jornal O Dia, p. 4

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