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sábado, 21 de abril de 2012

CANTIGAS

A poesia dos tempos medievais foi quase essencialmente amorosa, feita de heroísmo e de aventura sobre a base do amor, da valorização da mulher. Os poetas cantaram episódios heróicos e amorosos, estes apoiados no típico sentimentalismo provençal. A canção provençal é um hino de amor integral, do amor puro e do amor da carne e a poesia do amor carnal provinha da inspiração popular.

A poesia popular retrata a vida, mais precisamente critica a sociedade de determinada época. Quem quiser conhecer os tempos e os homens, nos seus caracteres reais, estuda a poesia popular numa das suas interessantes manifestações, a letra das músicas. Em 1945, os figurões da política endeusaram Getúlio Vargas, por necessidade do formidável prestígio eleitoral do presidente. Bastou que as Forças Armadas apeassem o gaúcho do governo, dia 29 de outubro daquele ano, "a turma toda evoluiu de opinião", e passou ao puxa-saquismo com o general Dutra. O canto do povo caricaturou o episódio: "Lá vem o cordão dos puxa-sacos, / Dando vivas aos seus maiorais... / Quem está na frente é passado pra trás / E o cordão dos puxa-sacos / Cada vez aumenta mais... / Vossa Excelência! Vossa Eminência! / Quanta reverência / Nos cordões eleitorais / Mas se o doutor / Escorrega e cai no chão / A turma toda evolui de opinião / E o cordão dos puxa-sacos / Cada vez aumenta mais...".

Li certa vez que a música popular moderna também é fruto do desespero de uma época, como se fora a mensagem do morro, da favela, da aflição, da fome, que Nara Leão mandou ao asfalto: "Se não tem água / Eu furo um poço / Se não tem carne / Eu pego um osso e boto na sopa e deixo andar...".

A verdade está em que o povo, em todas as idades, procura, nas alegrias e nas angústias da vida, a motivação das cantigas. O povo sempre conserva a sua sabedoria milenar e através dela compreende as fases da existência, como numa viagem, de variante em variante. As canções dos dias de hoje se assentam na alma popular, com as suas características, os seus costumes as suas virtudes, as suas paisagens, os seus sentimentos e as suas condenações.

Existem exemplos notáveis de semelhança da poesia de séculos atrás e da poesia de hoje: exemplos do canto do passado e do canto do presente, o de ontem e o dagora nascidos da inesgotável inspiração popular.

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A época provençal trouxe-nos a influência purificadora de sua poesia. Houve a forma importada para os salões, a canção, o cantar d'amor, e adquire forças de cidadania a cantiga d'amigo, cujo agente criador era a mulher. Nasceria a poesia da corte ou palaciana e com ele se enfeitaria a poesia popular, nos seus tipos fundamentais, o de inspiração burguesa, que se ligam a vida social evoluída, e o da atmosfera virgem do campo para o ambiente convencional da vida citadina.

Os estudiosos encontrarão as raízes da poesia no popular e nas canções dos dias que correm nas velhíssimas concepções dos poetas e trovadores da Idade Média.


A. Tito Filho, 02/02/1991, Jornal O Dia, p. 4

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