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terça-feira, 3 de abril de 2012

TIPOS

Teresina, ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 91, cento e trinta e oito anos de nascida, por mãos de José Antônio Saraiva, sob auspícios da bondosa imperatriz, homenageada, festejada, cantada em verso e elogiada em prosa. Uma centena de historiadores conta episódios, recorda coretos e pracinhas onde namoravam moças-donzelas. Nelas hoje habitam quase só DONZELOS. O baiano macho que CHANTOU a cidade na Chapada do Corisco, depois de derrubar a mataria de muitos bichos, continua glorioso. A seu lado trabalhava um português inteligente, o João Isidoro, mestre-de-obras de competência proclamada.

Ninguém recordou os tipos populares da antigamente gostosa comunidade, os doidos-mansos, que faziam rir a meninada travessa e os maduros e os velhos.

Noutros tempos, existiu MARTINIANA, de alcunha CAPITOA, negrona corpulenta, voz forte, sempre disposta. Nasceu na primeira capital do Piauí. Em Teresina exercia a função de quitandeira. Contam que tinha atividade viril. Gostava de furdunço e fazia voz de homem para mulheres invertidas. Andava de enorme chapéu de palha de carnaúba na cabeça. No rebuliço de enorme corpulência, caminhava nas ruas tocando pandeiro e recitando quadrilhas que ela mesma fabricava.

Pelo começo do século houve o BALAIEIRO, católico desses de irmandade: Criou o velho CHUMAR, o mesmo que beber cachaça ou outro ingrediente de espírito. Gostava de sentar-se à porta de casa, tardezinha, a tocar viola desafinada. Tratava conhecidos e desconhecidos por MEU BEM e a todos pedia dinheiro para CHUMAR.

Outro foi Feliciano, o MAROMBA. Inteligente. Físico bonito. Rebentava rapadura na cabeça. Brincalhão. Zangado semelhava o capeta. Subia e descia rua com um caixãozinho de defunto debaixo do sovaco, em que, segundo afirmava, conduzia ANJO, menininho que morria bem cedo, sem pecado e sem batismo e tinha morada eterna num lugar chamado LIMBO.

*   *   *

Relacionei os tipos populares que não conheci. Encontrei-os na crônica de jornais velhos. Quando me entendi nestes espaços de José Antônio Saraiva, a doidice mansa tinha outros representantes. Dondon era dono de jornal. Atacava gente graúda. Um dia os poderosos o puseram no hospício. Quando saiu, mais xingou os políticos e escreveu que passou dez dias no asilo, seis por conta do governo e quatro por sua conta. Vendia capim em lombo de jumento. Ensinou jegue a cumprir voz de comando: esquerda, direita e alto. Calçava alpargatas vistosas, oferecendo pelas vias públicas capim aos burros de Teresina. MARIA SAPATÃO deixou saudades. Nenhum parentesco tinha com o SAPATÃO de hoje em dia, pois assim chamada em virtude de usar sapatos enormes. Negra gorduchona, beiços imensos, dentes alvos, peitões caídos, barriguda e bunduda, enfeitava-se com um dilúvio de pulseiras ordinárias nos braços roliços, anéis nos dedos, até no polegar. Andando rua acima, rua abaixo, mostrava um toque de nobreza idiota. JAIME DOIDO tornou-se admirado porque rejeitava dinheiro. AVIÃO ainda não passou desta para pior morada. Põe caixa de papelão na cabeça e sai a enchê-la de quanta besteira apanha pelas calçadas. Imita velhos filmes de aviação: faz o ronco da aeronave e o acompanha de movimentos ondeados da mão direita espalmada. Imita o MOCINHO e mata os bandidos covardes. Perito em furtar peru no Natal.

Todos merecem homenagem de homens e mulheres, pesquisadores e historiadores, uns trezentos, neste aniversário da cidade que Saraiva idealizou e construiu.


A. Tito Filho, 17/04/1991, Jornal O Dia, p. 4

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