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quinta-feira, 26 de abril de 2012

VELHA CANÇÃO

No Rio de Janeiro, como estudante, morei em diversas pensões, nos bairros de Ipanema, Botafogo e Catete, de mensalidade módica. O desjejum da manhã, pobre, reunia uma xícara, média de café e leite, um pão e manteiga rala. Almoço de arroz, feijão, macarrão e bife de caldo ou assado. Nos domingos, galinha guisada, porções mais abastadas porque não havia jantar, e este, nos outros dias da semana, era constituído de arroz e mais duas qualidades. Havia extraordinário, se o hospede quisesse - ou repetição de prato servido ou ovos estrelados. Pagava-se por fora da mensalidade. Assim, engolindo essa bóia monótona, se passaram cinco anos. A gente dormia tarde e o jeito estava em agüentar a barriga roncando durante as noites e as madrugadas. Não se forneciam lanches nas hospedarias de estudantes. Os que podiam lanchavam nos bares e confeitarias.

Depois de retornar a Teresina voltei muitas ocasiões ao Rio de Janeiro, sempre por via aérea. A primeira viagem de recreio se deu em 1948, nos pequenos aviões da Navegação Aérea Brasileira ou da Cruzeiro do Sul. Embarcava-se no velho aeroporto. Saía-se de Teresina às 6 da manhã e chegava-se ao destino pelas 7,8 ou 9 horas da noite. A rota compreendia Floriano, a Lapa na Bahia, Salvador, Ilhéus, Belo Horizonte e Vitória. quando se fez o aeroporto novo, a viagem passou a ser feita nos aviões tipo CONVAIR, modernos para a época. De vez em quando caíam. Perigosos. Condenados, retiraram-se de uso. Viajei num deles, em 1962, com os velhos amigos James Azevedo e Higino Santana. ficamos no Rio. O avião subiu para São Paulo e no percurso espatifou-se. Morreram os passageiros, sem exceção. Inaugurou-se a era do ELECTRA. Turbo-hélice. Aeronaves seguras. Cômodas. Uns 600 quilômetros por hora. Ainda hoje são utilizados entre Brasília e Rio. Chegaria a vez dos SKYMASTERS, grandões, feios, desconfortáveis, apelidados aviões da fome porque serviam apenas um cafezinho em copitos de papel. Velhos e antiquados, demoraram pouco nas linhas nacionais. Por fim, os tipos CARAVELLE e BOING, os jactos modernos.

Nessas viagens ao Rio hospedava-me em hotéis, bons hotéis, como o Rex, o Flórida, o Itajubá, o OK. Parece que não se usam os milhares. A classificação chega a cinco, cinco estrelas, o mais requintado. Dizem que os cearenses chegam a 10 estrelas.

Uma feita hospedei-me no Hotel dos Estrangeiros, e nele, ao pé da escada que conduzia ao andar superior, traiçoeiramente, Manso de Paiva enterrou faca nas costas do senador gaúcho Pinheiro Machado, matando-o. O político morava na hospedaria. O fato aconteceu em 1915. O famoso líder político quis ser o sucessor de Hermes da Fonseca na presidência da República, mas os BARÕES latifundiários paulistas lhe inviabilizaram a candidatura por meio dom acordo São Paulo e Minas Gerais, o café-com-leite. Mas as legiões de correligionários do chefe gaúcho não perdiam as esperanças, até que em 1915, setembro, se deu o episodio perverso do assassinato. No carnaval, de 1916, muito se cantou a toada de compositor pernambucano, se não me engano: "O meu boi morrei / Que será de mim / Manda buscar outro ô maninha / Lá no Piauí".

Morrera Pinheiro Machado, filho de uma das terras do boi, e o jeito era mandar buscar outro no Piauí, onde o boi valia grande riqueza.

A rima MIM e PIAUÍ se aceita como licença-poética, pois o latim MIHI daria MI, forma tipica no português, que passou a MIM em virtude de nasalização, fato histórico comum, como se vê em NEC, igual a NEM.

Se a toada pernambucana não aludiu a Pinheiro Machado, é bem provável.


A. Tito Filho, 05/02/1991, Jornal O Dia, p. 4

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