Quer ler este este em PDF?

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O PONTA-DE-RAMA

Aprecio muito a leitura de memórias alheias. Li-as de autores, nos domínios da literatura universal, brasileira e regional. Cativam-me essas narrativas em que se respigam lições úteis no terreno da psicologia, da história, dos caracteres humanos, dos cenários geográficos e sociais.

Dostoiewsky, russo genial, condenado à morte em 1849 por causa de opiniões políticas, teve a pena comutada em quatro anos de exílio entre os condenados das prisões da frigidíssima Sibéria. Os sofrimentos fizeram dele um analista profundo do coração dos homens. A "Recordação da Casa dos Mortos", obra-prima, escrita com a absoluta sinceridade, descreve a estranha gente criminosa que rodeava o escritor.

Gostei das memórias de Montgomery, o comandante estrategista inglês que derrotou o famoso Rommel na cruenta Segunda Guerra Mundial, um livro que revela as responsabilidades quase inacreditáveis de um chefe militar. Li as memórias de Truman, o que mandou atirar bombas atômicas sobre duas cidades japonesas. Antes de atirá-las conversou, por telefone, com Hiroíto, o imperador dos nipônicos, servidos ambos de intérpretes. O presidente norte-americano avisou-o de que deveria render-se incondicionalmente, do contrário sofreria ataques de engenhos de imenso poder de destruição. Hiroíto não temeu a arma mortífera. Atirada a primeira bomba, novo telefonema. Hiroíto prosseguiu firme. Deu-se o genocídio de Nagasáqui. Outra conversação dos dois líderes e o imperador disse que se renderia, nunca incondicionalmente, pois os japoneses exigiam a sua permanência no trono. Truman transigiu.

QUANDO EU ERA VIVO, de Medeiros e Albuquerque, constiitui bem escritas memórias desse homem de inteligência apurada, com episódios interessantes e gente do mesmo naipe. Fala do piauiense marechal Pires Ferreira, tipo curioso, e de Campos Sales, que o autor considera corruptor da imprensa.

Atraente o GATO PRETO EM CAMPO DE NEVE, narrativa de viagem que Érico Veríssimo escreveu. Deliciosos os livros de Mário Sette, em que relembra o Recife antigo.

Autores de nomeada da vida intelectual do Piauí escreveram memórias. dignos de registro as de Higino Cunha e de Leônidas Mello, falecidos, e de Rocha furtado e josé Miguel de Matos, vivos, este último no incompreendido PISANDO OS MEUS CAMINHOS.

Agora leio espiritualmente entusiasmado o PONTA-DE-RAMA, memórias de Fabiano Melo, antecedidas de brilhante apresentação de um mestre da crítica e da linguagem, Celso Barros, sempre lecionador de verdades: "A medida que envelhecemos ou que tomamos consciência da velhice, as reminiscências criam, em nós, um mundo diferente, em que as coisas, as imagens, as pessoas se vão reduzindo a um símbolo da própria vida, à eternidade da vida a nos guiar em toda a nossa caminhada". E Celso prossegue, límpido de inconfundível estilo, a conduzir a gente pela leitura do livro do ponta-de-rama, o caçula de um casal consciente das virtudes da educação moral dos filhos.

Numa linguagem clara, correta, Fabiano Melo busca na memória o ambiente familiar de sentimentos elevados, e fixa a beleza de um tempo de amor, respeito, religiosidade e trabalho em que se realçavam almas virtuosas, na comunidadezinha de gente amável e acolhedora, Piripiri.

No trabalho de beleza artística, vêem-se retratos humanos e paisagens inesquecíveis. Gente querida no cenário da cidade pequena. Os fatos narrados compõem uma crônica que se fixou na saudade imensa dos que sentem a mudança vertiginosa dos hábitos e dos costumes.  

Modo de escrever de leveza constante o de Fabiano Mello, como se estivesse em recolher ensinamentos dos bons mestres da escritura rica de graça e de originalidade.


A. Tito Filho, 22/01/1991, Jornal O Dia, p. 4

Nenhum comentário:

Postar um comentário