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sexta-feira, 18 de maio de 2012

INCOMPETÊNCIA

Muitas causas se apontam como justificativa de um Brasil cujo povo padece aflições sem conta. Abandonou-se o campo e criaram-se as megalópoles das populações sofridas - cidades imensas com insolúveis problemas de lixo, de água, de higiene, cercada de favelas por todos os lados, em que prevalece afrontosa e condenável promiscuidade. No campo, vigora idêntico modo de viver. Gente sem terra, faminta, desnutrida, sem escola. Revoltante as circunstâncias de que 80 ou mais por cento da população brasileira não participam da riqueza nacional e faltam-lhe os bens primários da existência. O Brasil de 50 anos atrás era outro. Embora o atormentassem dificuldades, funcionavam as escolas públicas, providas de professores capazes e sérios; os hospitais atendiam dedicadamente os que os procuravam; havia solidariedade humana; desconhecia-se a violência urbana e a rural. Inexistiam classes privilegiadas e os governantes, com raras exceções, administravam com rigorosa honestidade, servidos de auxiliares competentes e probos.

Que houve com o Brasil? A construção de Brasília iniciou o processo inflacionário permanente. Liquidou-se o transporte ferroviário e o de cabotagem, em beneficio dos veículos automotores, consumidores dos derivados de petróleo e vendidos por gigantescas empresas norte-americanas. Desapareceu o bonde para que os ônibus tivessem vez. A propaganda do luxo e do conforto, a principio pelo cinema, de forma subliminar, tornou-se permanente na televisão, instrumento perigoso dominado por empresas particulares e responsável também pela extinção do salutar regionalismo brasileiro. Criou-se o soçaite dos milionários cujas fortunas não têm origem senão pelo sistema exploratório e pelo processo da corrupção.

São várias as causas do empobrecimento e do sofrimento da imensa maioria dos nossos patrícios, às quais se deve acrescentar a incompetência, aliada a outros fatores. É grosseira a incapacidade dos homens públicos, com exceções honrosas, desde que o dinheiro a eleger os políticos e a demagogia tem sido a tônica da maior parte dos que buscam cargos importantes, protegidos eleitoralmente por empresários gananciosos.

Tivemos homens públicos respeitáveis no primeiro como no segundo império. Outros, patriotas, insubornáveis. Quantos cidadãos atingiram fama e projeção pelos ensinamentos, pela lealdade e probidade, pelas atitudes e respeito que sugeriam. Na República, os homens que administravam o país até o primeiro período de Getúlio Vargas gozavam de consideração popular. Os Estados foram confiados a oficiais das Forças Armadas, alguns inexperientes, mas de honestidade irrecusável. Parece-nos que a incompetência teve começo na ditadura getuliana, inaugurada em 1937. Daí para diante ainda se anotavam brasileiros ilustres na chefia dos Estados e dos ministérios. As ditaduras, porém, sobretudo quando se alongam, chafurdam na violência, na perversidade e no capachismo. Retornou-se às eleições de presidentes e congressistas, seguidas da escolha de governadores e legisladores nos Estados. Floresceram ambições. Firmaram-se conluídos. A politiquice dominava o país. Por toda parte no país e nas áreas federais, não mais se firmava o município da competência e da probidade na escolha de auxiliares, mas exclusivamente o critério da política partidária.

A incapacidade viceja por toda parte. Existem titulares ministeriais, de secretariado, de reitores de órgãos públicos sem conhecimento dos assuntos dos cargos que lhe são entregues. De certo tempo aos dias atuais o mal cresceu, multiplicou-se. Alguns brasileiros, exerceram vários ministérios - Educação, Justiça, Trabalho -, como se fosse possível conhecer os problemas de setores diferenciados em tudo, sobretudo quando o titular pertenceu as Forças Armadas. Transferem-se administradores de uma pasta a outra como se o exercício das responsabilidades se considerassem de menos importância no trato da função pública.

A incompetência alastrou-se como doença infecciosa. Atinge o funcionalismo de todos os níveis, pois varreu-se da órbita administrativa o concurso. A administração, nas mais diversas áreas, como assessores, conselheiros, chefes de gabinete - os cunhados, os sogros, os filhos e filhas, os genros, toda a constelação familiar do detentor do cargo importante.

Ministros, secretários bem aquinhoados revelam ignorância até nos pronunciamentos televisionados. Assassinando a língua pelo torto e pelo direito.

O Brasil pode dizer-se um deserto de homens e de idéias, como queria Osvaldo Aranha, bem assim de incompetência dos seus homens públicos, excetuadas as raridades dignas de respeito.

 
A. Tito Filho, 14-15/07/1991, Jornal O Dia - p. 4

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