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sábado, 5 de maio de 2012

ASSUNTOS

Heráclito Fortes, administrador de Teresina dos melhores que já houve, com certeza tem mais nas suas preocupações a desfiguração de Teresina, cidade onde nasceu. não lhe cabe culpa alguma do que fizeram com a cidade de Saraiva.

Teresina é das mais maltratadas cidades brasileiras. Vigoram as paisagens deformadas, como se estivessem constantemente sob apedrejamento. Certas áreas de lazer são sujas, incentivam a malandragem e fogem aos objetivos para os quais foram criadas. Contam-se por todos os dedos e mais alguns os aspectos desfigurados da outrora singela capital. Fizeram-se calçadões e estes vivem repletos de camelôs, criando-se o comércio paralelo. A praça Rio Branco, outrora recanto repousante e alegre, semelha nos dias que correm uma concentração de desocupados. A praça João Luís Ferreira, de elegantes bambuais nos velhos tempos, local de espairecimento de crianças nos jogos inocentes das bolinhas de gude, serve agora de mercado, onde se vendem frutas, brequefeste para os pobres diabos da previdência que não pregaram o olho, e outros tipos de alimentação de vítimas da quebradeira. Que dizer da pracinha querida, de namoricos dos bons tempos, alegre, convidativa, a Pedro II? Corresponde hoje a uma vasta concentração de mundanas, cachaceiros, qualiras, drogados, sapatões e indivíduos sem aptidão para o trabalho.

Fez-se a chamada PRAINHA para a diversão, os encontros amigos, o descanso sexta-feirinho, sabativo e dominical, o que ocorreu nos primeiros dias. Jaz como área de favela, e os bares típicos acolhem farristas e respectivas cachaçadas. Não há nela segurança e viceja o crime, sempre que se desentendem os deseducados para a vida.

Uma lástima o Parque da Cidade. Foi feito para o companheirismo, para a prática desportiva, para as refeições fora de casa, nos dias festivos da semana. Os desabusados depredaram-no.

Ao cabo de contas, nenhum respeito merece a cidade que José Antônio Saraiva idealizou e construiu com sacrifício e coragem. Os teresinenses, na sua maioria, insolentes e desrespeitadores, não têm sido fiéis à memória do saudoso e querido patrício.

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Ninguém mais se lembra de Job Vial, de crônicas saborosas sobre esta Teresina deformada. Job Vial outro não se era Joel Oliveira, pesquisador, humorista, colecionador de estórias de gente e de bichos da cidade a que ele dedicava afeição permanente. Busquei-o agora nos meus arquivos e reli "Quintas e Quintais", numa das recordações de Joel - e nessa crônica está o teresinense preocupado com o cultivo das árvores frutíferas abundantes na capital piauiense - a cidade verde, hoje de matas derribadas e sem pés de frutas de colheita segura para as merendas fartas. Havia terrenos plantados por toda parte, e cada celeiro possuía denominação ligada a mulher do proprietário, como a célebre Lavinópolis, ou recebia nomes de cidades, a exemplo de Olinda, Petrópolis, ou nomes de terras distantes - Granada, Zurich, Catânia, ainda se lembravam santos, Tebaida, Betânia, - e por esta forma se conheciam dezenas de quintas e quintais de Teresina, de abundante produção de variadas frutas - goiaba, groselha, pitomba, carambola, banana, limão, figo, sapoti, laranja - e a laranja tinha variedade enorme e dava trabalho livrá-las dos pulgões, das brocas e de outros males. Quantos nomes de laranjas estão na lembrança da gente: a seleta, a bahia, o mimo-do-céu, pingo-de-ouro, natal, pêra, mel-rosa, da-china, tanja, lima, mandarim, cada uma melhor que a outra. Nos dias que correm ainda se encontram alguns tipos desses ricos alimentos cítricos. Já agora em 1987 sumiu-se o caju. Safra pequeníssima. O caju que nada custava a quem o comia, apanhando-o debaixo dos cajuais nas matas teresinenses, derribadas pelo machado das construtoras. O caju da castanha de que o índio se servia para contar a idade. Cada castanha, mais um ano de vida. Menina de castanha, sim, era menina prendada. Jogava-se castanha nas calçadas, sem lambança. O caju dava ainda a cajuada, a cajuína, o doce, o tira-gosto. O pequenino, o cajuí, tinha também seu emprego. Sumiu-se a manga, ou quase está a desaparecer: a de biquinho, a governadora, moscatel, a jambo, a vovó, a espada, a vista-alegre, a de leite - restam hoje a rosa, a lira, a de fiapo, a manguita-do-correio, por preços inacessíveis.

Joel Oliveira, o Job Vial das crônicas saborosas de antigamente, cultor do humorismo à inglesa, se vivo estivesse se decepcionaria com uma Teresina sem arvores frutíferas, a sua riqueza de antigamente - fartura das mesas pobres e da classe média, num tempo em que os pobres podiam viver e a classe média governava uma sociedade justa e decente.

 
A. Tito Filho, 18/05/1991, Jornal O Dia, p. 4

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