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domingo, 6 de maio de 2012

TEATRO

George Balandier, numa obra de muita acuidade de observação, acentuou que por trás de todas as formas de arranjo da sociedade e de organização dos poderes existe, mandando nos bastidores, a teatrocracia, ou o governo dos atores, dos artistas. Um teatro de zombaria, se for melhor assim como disse o russo Nicolau Evreinov. Os políticos pagam tributo quotidiano à teatralidade. O mundo inteiro é uma cena - definiu.

Shakespeare. No enorme palco ou picadeiro brasileiro se agitam personagens que perturbam toda a lógica social, contradizem a moral comum, e revelam o exagero e a farsa de que se entretém a vida nacional. Discutem-se mais uma vez os princípios constitucionais do país. Em 1822, separou-se o Brasil de Portugal, com a proclamação do príncipe Pedro. Convocaram-se representantes para a discussão e votação da primeira carta magna do novo Estado soberano. Dom Pedro dissolveu a assembléia e outorgou a constituição em 1824. em 1889, instituía-se o regime republicano, e outra constituição surgiria em 1891. As forças militares derribaram a chamada República Velha em 1930. Inaugurou-se fase ditatorial. Ano de 1934, votou-se mais uma carta - de duração até 1937, quando se proclamou a ferrenha ditadura militarizada e impôs-se ao povo uma constituição fabricada nos subterrâneos políticos, vigorante até 1945, época em que caiu Getúlio Vargas e acenou-se aos brasileiros com a nova panacéia - mais uma carta magna, promulgada, sob fogos de artifícios e tiros de festim, em 1946. Ditadura mais terrível e pecaminosa chegaria em 1964 - e o seu chefão logo exigiria do Congresso Nacional outro modelo constitucional, o que se fez, debaixo de ordens generalícias. Enterrado o regime das quatro-estrelas, neste 1987 se discute e vota mais uma constituição. Quantas? Este país bem que deveria possuir constituições de plantão, pois a cada mudança de regime ou queda de ditadura surge logo a idéia de uma constituinte. No Congresso atual os pontos mais importantes se situam, ao que parece e segundo as repercussões jornalísticas, no sistema de governo, nas raquíticas conquistas dos trabalhadores. Só. Não se toca no império de um grupo privilegiado e insaciável de lucro. Nada se discute sobre a onipresença do Estado na atividade econômica. Na política de mãos dadas ao dinheiro. Nos poderosos advogados administrativos. A reforma agrária passou a segundo ou terceiro plano. Léguas e léguas de sesmarias ainda se encontram em poder de poucos, como herança das cartas-régias. Que se estabeleceu sobre o processo cultural? O livro nacional se derrota no nascedouro, por falta de publicidade, uma vez que esta se faz em favor das grandes editoras norte-americanas. A educação em todos os graus, se ministra por uma rede particular, subvencionada pelo próprio governo - uma rede de colégios e cursos milionários, freqüentada por uma elite preconceitual contra os pobres e contra os negros, aos quais restam os estabelecimentos oficiais, mal-equipados e sobretudo de professores de baixos salários. A fome, mal endêmico, prevalece na quase totalidade dos lares brasileiros, uma vez que os preços das utilidades são inacessíveis a quase todos. Que dizer da habitação desumana, promíscua, que o governo distribui para, arrancando prestações de gente paupérrima, engordar casas bancárias e caixas econômicas? O brasileiro paga às empresas norte-americanas uso de fórmulas, de produto, de marca de produto, de máquina para fabricação de produto, um pagamento cobrado sob a denominação de royalty. A verdade está em que o povo tupiniquim vive de teimoso, explorado, espoliado, faminto, miserável, ignorante dos seus deveres e direitos cívicos, sem a informação verdadeira do que se passa nos subterrâneos da política, mas tão somente ouvindo loas a respeito do paraíso nacional, ou presenciando conversas televisadas de alegres comadres, cúmplices, cúmplices de sobejas regalias.


A. Tito Filho, 31/12/1991, Jornal O Dia, p. 4

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