Quer ler este este em PDF?

sábado, 12 de maio de 2012

IRRESPONSABILIDADE

Os velhos e saudosos carnavais que eu conheci começavam sábado de noite e prosseguiam até terça-feira. No dia seguinte, cinzas, os cristãos meditavam. Tudo alegria, companheiros, educação. Realizavam-se bailes animadíssimos, coros maravilhosos e um carnaval de rua bem carregado de bom humor. Pobres e remediados se empregavam à folia, sem excessos. Assim se dava também quando eu não havia nascido. Já em 1870 surgiu a primeira sociedade carnavalesca. Folguedos na praça Saraiva. Ano de 1983 criaram-se dois clubes de festas deslumbrantes, o Fenianos e of Fênix. A alta-roda comparecia de ricas fantasias, como a Lili Lopes, avó de Genuzinha Aguiar correia: vestido de cetim branco com apanhado de gaze dourada, volta e pulseira de pérolas brilhantes. Ainda a conheci proprietária da Botica do Povo, na praça Rio Branco. Um dos mais empolgantes foi o de 1914, com os dançarinos Miguel Rosa, Luís Correia, Fenelon castelo Branco, Abdias Neves, Nogueira Tapety, Mário Batista, João Pinheiro, Casusa Avelino, Lindolfo Monteiro, Tote Carvalho, Ney Ferraz, Heli Castelo Branco, intelectuais, médicos, políticos. Entusiástico o de 1920, de carros alegóricos. Batalha de lança-perfume e confete. Intransitável a praça rio Branco. Muita Gente projetada nos bailes. As caboclas, chamadas segunda, também ditas curicas, dançavam nos gostosos forrós dos arredores da cidade. Verdadeiro delírio o carnaval de 1921. Bailes deslumbrantes na Assembléia Legislativa. Pululavam a bom pular João Luís Ferreira, Matias Olímpio, Anfrísio Lobão, Jarbas Martins, Ernesto Batista, Leônidas Melo, Dídimo Castelo Branco, Joel Mendes. Nesse ano surgiu o clube dos Fanfarrões, que promoveu sempre dois bailes, no sábado e na 2ª feira. Surgiria em 1922 o Clube dos diários, ainda de pé, consagrado agora aos velhos e velhas que se esfregam e se arrocham uma vez por semana nos seus salões deteriorados e sujos. Um delírio a folia de 1925. Participaram com inexcedível entusiasmo do carnaval de 1934 Rocha Furtado, Cláudio Pacheco, Salmon Lustosa, Firmino Paz, para citar gente viva. Caiu nos dias 22, 23, 24 e 25 de fevereiro o carnaval de 1941. Presença do primeiro Rei momo, recebido na praça Pedro II pelo interventor Leônidas Melo. Ainda se verificou um excelente carnaval em 1947. Os principais foliões solteiros, alguns falecidos, outros vivos, foram Ângelo Pereira da Silva, Milton Aguiar, Tito Filho, Elói do Egito Coelho, José Lopes Aguiar, João de Deus Fonseca Filho, João Mendes Olímpio de Melo, Carlos Alberto Paz. Jovens mais animadas: Anita Freitas, Iracema Freitas, Maria do Amparo Araújo, Miriam nogueira do Rego Monteiro. Festas maravilhosas no clube dos Diários e no Teatro 4 de Setembro.

Houve o declínio por toda parte. Desanimados folguedos nas ruas, extinção do corso de automóveis e caminhões, e o triste espetáculo das escolas de samba, de caráter competitivo, com o apoio de órgãos públicos.

O carnaval, de certo tempo a esta parte transformou-se em devassidão, com bailes de mulheres peladas, gueis pelo torto e pelo direito e o cenário de sexo despudorado, como se vê nas transmissões televisivas do Rio e de são Paulo.

A festa que tinha inicio no sábado de noite se esticou, indo de quinta ou sexta-feira até quarta ou quinta-feira. a nação pára de trabalhar cinco, seis dias seguidamente, e a violência campeia destravada. Enchem-se os hospitais. Gastam-se as economias de um ano inteiro. Um desperdício de dinheiro inacreditável nas escolas de samba do rio de Janeiro, cada vez mais luxuosas. Já se construiu um SAMBÓDROMO, local dos desfiles milionários, cuja denominação híbrida de grego e africano revela besteirice refina. em Teresina, até pouco tempo passado, o poder público prestava apoio a milhares de pessoas, às quais se distribuíam tonéis de valente cachaça, em circunstância que não se registrava antigamente.

O Brasil e o Piauí atravessam crise em todos os sentidos. Há fome, doença, miséria, indigência, hospitais sem funcionamento, escolas públicas fechadas e uma guerra, terrível carnificina, tirando vidas e impondo sofrimentos, enquanto as almas sem solidariedade se entregam a festas vaidosas e maléficas.

O país vive instantes de irresponsabilidade.


A. Tito Filho, 10-11-12-13/02/1991, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário