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terça-feira, 15 de maio de 2012

"EU SEI ONDE ESTÁ O DINHEIRO"

A Academia Brasileira de Letras conferiu uma de suas poltronas a José Américo de Almeida, o paraibano cuja vida pública tem sido um grito angustiante pela felicidade do Brasil. Está de parabéns a Casa de Machado de Assis, chamando o seu seio um grande escritor.

Era um paraibano baixote, míope desde moço, encheu de compostura a vida nacional. Formou-se em Recife, em 1908, com os piauienses Simplício Mendes e Arimathéa Tito. Parece que chegou a residir com os dois na mesma "república" de estudante; pelo menos é certo que foi companheiro de quarto de Arimathéia. Formado, José Américo achou fascinante a vida política, e nela ingressou. Ei-lo, em 1930, como um dos chefes civis do movimento revolucionário que derribou Washington Luís, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e entregou o governo da República a Getúlio Vargas, de quem foi ministro da Viação, um grande ministro, voltado para os graves problemas do Nordeste. Enfrentou a terrível seca de 1932. Impôs-se à admiração do país, pelo trabalho, pela sinceridade, pela inatacável honestidade.

O esforço gigantesco como ministro, a linguagem franca de que se utilizava para o debate dos problemas políticos e administrativos, os brados de revolta contra o atraso da terra e a penúria do homem, a bravura com que desafiava os maus, a consagração do romancista de A Bagaceira - tudo isto lhe valeu imensa popularidade, na Paraíba como no Brasil.

"A Bagaceira" (romance) deu a José Américo uma posição invejável no cenário da literatura brasileira. Consentiu o autor em que o livro "é a tragédia da própria realidade". Livro violento, que agasalhou "almas semibárbaras pela violência dos instintos". O escritor interpreta essas almas sem artificialismo, nuamente, para não suprimir delas a grandeza: "Seria tirar-lhe a própria alma".

O livro semelha um protesto contra "a miséria maior do que morrer de fome no deserto" que "é não ter o que comer na terra de Canaã".

Romance do sofrimento do homem na terra escaldante - "A Bagaceira" também constitui um romance de amor, "concessão lírica ao clima e à raça", como diz José Américo - "problema de moralidade com o preconceito da vingança privada", da forma que ele define as paixões brutais do sertão.

Getúlio Vargas, depois de três anos de governo discricionário, premido pelas circunstâncias, convocou eleições para uma Assembléia Constituinte. Esta se reuniu e votou a Constituição de 1943, que adotou a fórmula de eleições indiretas para o primeiro período presidencial. Findo este, daí por diante o processo de escolha dos presidentes seria direto. Elegeu-se Getúlio presidente por quatro anos.

(Em 1937, arregimentam-se os políticos. Campanha eleitoral a vista. Eleições presidenciais marcadas para 3 de janeiro de 1938. Plínio Salgado, chefe do Integralismo (camisas verdes), candidata-se. Também se candidata Armando de Sales Oliveira, governador de São Paulo, político de grande conceito e prestígio. Getúlio manda que seus partidários apresentem José Américo como candidato oficial. O lançamento é feito por Benedito Valadares, governador de Minas. O paraibano aceita o encargo. Ganha as ruas, as cidades, pregando idéias, defendendo ideais).

Mas Getúlio preparava com Góis Monteiro, desde o carnaval de 1937, um golpe, no ritmo político de três tempos, na correta apreciação de Nehemian - coup d'etat - ditadura.

(Veio o golpe de Getúlio no dia 10 de novembro de 1937. Fechamento do Congresso Nacional. Prisão de adversários. Liquidação dos partidos políticos. Encerramento das atividades integralistas. Nova Constituição, em que Getúlio se tornava chefe do Estado Nacional. Interventorias nos Estados, com exceção de Minas. Nas Alterosas, Valadares se mantinha como governador. Ostracismo para José Américo).

(O paraibano tem sete fôlegos. Corajosamente, dia 22 de fevereiro de 1945, decreta, numa entrevista dada a Carlos Lacerda, a queda do regime getuliano).

Com ilustres chefes políticos, cria a UDN. Lança-se Eduardo Gomes candidato à presidência. Vibrante campanha derriba Getúlio, dia 29 de outubro de 1945.

José Américo e o antigo ditador elegem-se para o Senado. Em 1950, Getúlio elege-se presidente da República. O paraibano sai governador da Paraíba, cargo de onde obtém licença da Assembléia para atender ao convite presidencial de entregar-lhe o Ministério da Viação e Obras Públicas.

Sobrevieram as crises. A Oposição não poupava o governo de Vargas. Em 1954, atendendo a Lacerda. Assassinato de Rubens Florentino Vaz. Suicídio do presidente na véspera do Dia do Soldado.

Volta o paraibano ao governo da Paraíba. Cumpre mandato. Antes, presta depoimento sobre a grande crise de agosto de 1954. Palavras candentes, fortes, verdadeiras.

José Américo de Almeida reassume o lugar vital de ministro do Tribunal de Contas da União. Atingindo idade compulsória, aposenta-se retirando-se para a amada Paraíba, onde vive cercado do afeto e do respeito da família e dos brasileiros.

Deu-lhe poltrona a Academia Brasileira de Letras, homenagem a um gigante de inteligência, a um criador da literatura - a um homem de trabalho intelectual constante em favor da verdade e em favor de um Brasil feliz.

Na campanha presidencial de 1937, num comício no Rio, fez ele análise da realidade brasileira e gritou: A terra é infeliz porque é pobre. Mas eu sei onde está o dinheiro para o soerguimento do Brasil".

E por isso não foi presidente.


A. Tito Filho, 29/06/1991, Jornal O Dia – p. 4

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