Não se diga que eu desgoste de futebol. Já em Barras, cidade do norte do Piauí, onde me cortaram o umbigo, eu jogava bola quando comecei os estudos primários nos meus sete anos. Eu e os molecotes como eu no beco de velho Fernando Carvalho, sujeito que conheci idoso, cidadão honrado. Abria a loja da esquina cedo, sempre de colete e bonzeguinos, barbicha bem aparada. Tipo respeitável, de fala ligeira, família tradicional. Formava-se os times nos domingos, quando o sol esfriava e a partida só terminava boquinha da noite.
Andei por outras terras e nunca me afastei dos estádios, como em Fortaleza e no Rio de Janeiro. No retorno aos pagos teresinenses, em 1947, encontrei o Estádio Lindolfo Monteiro, se a memória não me engana, construído pelo prefeito do mesmo nome e inaugurado em 1940.
No meio do século, fui ao Rio, num aviãozinho bimotor, que saia de Teresina seis da manha e depois de enjoativo pinga-pinga por algumas cidades, baixava no aeroporto Santos Dumont, da ex-capital, pelas sete horas da noite. Era a inauguração do Maracanã, estadiozão construído pelo prefeito Mendes de Morais, para que, aos urros de sua formidável platéia, houvesse a última partida de uruguaios e brasileiros, em 1950. Assisti ao embate. À derrota nacional. Dois a um em favor dos homens comandados por um meio-campo endiabrado, Obidúlio Varela. Recordei os dias de 1938, nesta sofrida capital piauiense, no tempo do ultimo campeonato mundial de futebol jogado antes da segunda grande guerra. O astro do Brasil o homem de borracha, diamante negro, Leônidas. Os nossos perderam a derradeira partida, em disputa com a Itália, também por dois a um, um gol italiano de pênalti.
Dava gosto o futebol dos velhos tempos. Os craques desconheciam a dinheirama que transformou esse esporte de massa e de entusiasmo num reles balcão de trocas e *. De mim, não perdia jogo dominical em Fortaleza, no Rio. Cheguei a prefaciar um livro de Carlos Said, sobre a história do futebol piauiense, em que figuro como interventor na Federação Piauiense de Desportos, em 1960, quando me possível, com o auxílio de sujeitos capazes e honestos, Péricles * e Eulino Martins, meu tesoureiro e meu secretário, endireitar a entidade mentora do esporte piauiense. Tomei a medida de reduzir o numero de clubes de Teresina a seis. Uma história interessante que ainda ninguém contou.
Mas quando se quis construir o Albertão, estádio enorme de sessenta mil pessoas, fui contra. O único jornalista, o único cidadão, o único brasileiro, o único vivente, contra abertamente, em campanha de jornal e rádio. Insultavam-me. E eu contra. Meu argumento era em que Teresina não podia SUSTENTAR enorme praça esportiva. Os jogos não despertariam interesse público para tantos lugares. Interessante é que, neste ano de 1991, quando mais Teresina aumenta de população, mais a platéia do Albertão míngua de gente. Dídimo de Castro; uma das melhores expressões do velho jornalismo, seca os gorgomilos, todo dia convocando pagantes ao estádio.
Fui contra o Albertão, contra a Poticabana, contra o Metrô, contra os aleijamentos do Theatro 4 de Setembro e da praça Pedro segundo, contra a derrubada da antiga penitenciaria e contra o Verdão.
Sou contra tudo que tira o pão e aumenta a fome do povo.
A. Tito Filho, 23/03/1991, Jornal O Dia - p. 4
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* Não está visível no original
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