Quer ler este este em PDF?

quinta-feira, 17 de maio de 2012

SEM JEITO

O "Jornal do Brasil", edição de 13 de março de 1991, publica os nomes dos parentes dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio recentemente nomeados, com vencimentos de mais de um milhão de cruzeiros mensais. Vejamos. Reinaldo Santana nomeou a mulher, a filha e um irmão. Humberto Braga, a mulher, a filha, o sobrinho e a irmã. Erasmo Martins Pedro, a mulher, três filhos e a nora. Heitor Schiler, a mulher e a filha. Pascoal citadino, a mulher e dois filhos. Paulo ribeiro, o filho. O único conselheiro sem parentela se chama José Luís de Magalhães Lins, herói dos novos tempos.

O nepotismo dos tribunais tornou-se uma amoralidade nacional. Vigora nos tribunais de justiça, de contas, do trabalho, em todo o território nacional, e também entupidos de parentes e aderentes se encontram os gabinetes dos parlamentares e polpudos empregos do Poder Executivo igualmente distribuídos por esposas, rebentos, sogras, cunhados, constituindo famílias privilegiadas que carreiam quatro ou cinco ou mais milhões para os seus gastos mensais, enquanto milhões de brasileiros vegetam, suando de sol a sol, na percepção de raquíticos pagamentos.

E mal se extinguem as decepções provocadas por mais uma esperteza de gente grande, os órgãos de comunicação anunciam as fraudes da previdência social, que enriqueceram os felizes beneficiados de bilhões de cruzeiros. A nação já não mais estremece de admiração e espanto. Não. As novas trapaças republicanas constituem rotina. Tornaram-se monótonas.

Quais [as] razões dessa permanente busca de dinheiros fáceis? Mal hereditário ou conseqüência das convocações sociais, num mundo de luxo e de folia? Alguns atribuem o processo nacional de roubalheira aos elementos formadores do chamado povo brasileiro, isto é, o português, o negro e o índio. Não cabe dúvida de que o elemento luso que se enviou para o Brasil se representava por tipos marginais da sociedade dalém-mar. E não se ignora que o índio preguiçoso obrigou os donos da terra a buscar o elemento africano para o trabalho da lavoura – e os três cruzaram e dos cruzamentos saíram mulatos, caboclos, mamelucos. Desacreditamos que a origem da desfaçatez nacional esteja nesses tipos, mas na deterioração do caráter do brasileiro por razões da nociva publicidade dos órgãos comunicativos.

– X –

A influência norte-americana na vida brasileira começou na década de 30, intensificando-se cada vez mais. O brasileiro vivia para o trabalho e para o lar. Tinha o lazer no cinema dominical, nas praias, nos passeios, nas festas familiares. Sociedades de agricultores, comerciantes, industriais, funcionários públicos. A mulher ocupava-se dos afazeres domésticos.

Os Estados Unidos tomaram conta do Brasil. Logo se criam os hábitos dos salgadinhos, das roupas feitas, comemorações fantasiosas do dia das mães, dos pais, do Natal. Instituíram-se as festas de natalícios, de debutação, de boda de prata e ouro. O turismo se tornou coqueluche generalizada, em que a classe média arrebenta os orçamentos nas viagens de recreio. Pregou-se no país a filosofia da compra, do carro particular, do uísque para proteger as coronárias do luxo, o prazer a qualquer preço. Viriam a buate e o motel e os feriadões. Banalizou-se a mulher. Desprestigiou-se o trabalho como valor social e espiritual.

Surgiu uma nova força, o empresariado, que sustenta o desperdício e a futilidade do soçaite. Casamentos milionários. Festas e recepções em que se dissipam fortunas. As mulheres de alta roda gastam num vestido o que o operário não consegue ganhar no emprego durante um ano.

Como sustentar essa grande patuscada da nação e dos estados-membros, como o Piauí, o Ceará, a Bahia? Fácil. Roubando-se a riqueza de todos para o sustento da ganância e da fome de dinheiro, a fim de que se cubram os gastos de marajás e de suas respectivas esposas, as maranis.

A sociedade tem os criminosos que merecem. Pior ficará, se a irresponsabilidade de poucos prosseguir na deterioração do caráter nacional.

 
A. Tito Filho, 12/04/1991, Jornal O Dia - p. 4

Nenhum comentário:

Postar um comentário