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sexta-feira, 18 de maio de 2012

VESTIBULAR

Sobre o chamado exame vestibular para acesso às universidades brasileiras já escrevi algumas crônicas publicadas em humildes livrinhos. Nelas digo que anualmente milhões de jovens de ambos os sexos buscam o cobiçado título de doutor, no país em que se assentou o preço do triunfo num anel de grau. E haja anel de grau para todos os dedos, como se ele conferisse o respectivo mercado de trabalho. Criou-se a mística da universidade.

A verdade é que a juventude não estuda. Freqüenta cursinhos, que, bem ou mal, procuram realizar o seu trabalho preparatório, suprimido o péssimo ensinamento das escolas.

O exame vestibular se fez com a utilização de testes. Os candidatos vivem verdadeira tormenta memória. Os testes semelham quebra-cabeças em torno dos quais gravitam moças e moços, que, durante meses, andam pelas ruas, cadernos debaixo dos braços, com o pensamento no exame reprovador:

Quem descobriu o Brasil? 1) Foi você? 2) Foi Pedro Álvares Cabral? 3) Foi Pelé? 4) Ninguém até hoje descobriu o Brasil?

O candidato lê duas vezes os quatros caminhos. E conclui, depois de muito suor: eu nunca descobri cousa alguma, logo não descobri o Brasil. Mas alguém o descobriu. As perguntas 1 e 4 ficam exoneradas, portanto. Tenho certeza de que Pelé se encontra na história do futebol. Resta Pedro Álvares Cabral. Xis nele.

Há necessidade de novos rumos. Os escritores escolhidos para as provas nunca foram lidos pelo candidato. E quanto este, por através de conhecimentos de televisão, acerta o nome do autor de Capitães de Areia, nunca leu o livro e desconhece o grave problema social que o livro agasalha, como uma reportagem viva, no universo do seu regionalismo.

Os moços deixaram os livros, não lêem, pois consideram desnecessário o estudo e a leitura. O candidato ao doutoramento sabe que tudo se resume na arte e habilidade de decifrar testes. Melhor a revista de quadrinhos e de sexo, ou livros de violência. Machado de Assis passa a ser um sujeito tolo e chato que andou falando da vida alheia. O teste suplantou a cultura nas suas variadas manifestações.

Ainda vive o Brasil subservientemente com a exigência da língua estrangeira no vestibular, como o inglês, ou outra que seja. Que necessidade tem o doutor de saber inglês? E por que não se exigem o alemão, o italiano, o russo, o holandês, o chinês?

O inglês se revela tão necessário a um doutor brasileiro como a primeira cueca que ele vestiu. O inglês pode participar da cultura especializada de quem quer que seja, nunca de maneira obrigatória da compostura intelectual de ninguém. Argumenta-se que as grandes obras para a formação de um doutor sejam escritas em inglês, ou francês, o que não corresponde à verdade. Mas se fossem, essas obras poderiam existir também em tradução portuguesa, como existem traduções de obras alemãs, italianas, russas, espanholas. A própria "Divina Comédia", de difícil tradução, está traduzida.

Nem doutor turista necessita de inglês, ou francês. Em toda parte do mundo existem guias e intérpretes.

Será que na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França se exige português nas provas de ingresso nas universidades? Eis aí assunto para um teste do próximo vestibular brasileiro.

 
A. Tito Filho, 15/01/1991, Jornal O Dia - p. 4

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