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sexta-feira, 11 de maio de 2012

MEUS BONS CABARÉS

Um dia o jornalista Pompílio Santos me pediu depoimento sobre a rua Paissandú, onde se situava a Rosa Branco e em cujas adjacências outros bons lupanares ofereciam quengas bem roliças. Eu disse ao indagador que não havia guardado muitas lembranças da ZONA do meretrício de Teresina. Quando meninote, já taludo, cheguei a Teresina, 1932. Nos primeiros tempos não me era possível freqüentar os cabarés citadinos. Mas quando atingi os 15 ou 16 janeiros, iniciei as visitações. Sem dinheiro e tomado das inibições invitáveis, limitava-me a olhar o ambiente profano, e de vez em quando, recebia um pito de gente madura e das relações paternas: "Prá casa, menino, tu ainda faz xixi na rede, vou contar a teu pai que tu tá freqüentando esta putaria".

À beira do Parnaíba mariposas exploravam marinheiros de gaiolas, de lanchas e de balsas. Beira de rio fabrica prostitutas. A prostituição da bisavó na avó, na filha, na neta, na bisneta, da forma que Assis Brasil contou.

Existiriam três famosos cabarés na zona da rua Paissandu. O de Raimundo Leite, cuja esquina e alguns quartos davam para a Paissandu. Era uma cafetina bem morena, de amigação com um gigolô que não queria dinheiro, só amor de graça. O da Gerusa, na rua São José, hoje Félix Pacheco, cabeça escura, arretada por um amigo-meu, o saudoso Salemérico Passos de Carvalho, que, por causa da ciumeira da negra, nela aplicava de quando em quando umas sonoras taponas. E o da rosa Banco, mulatona endinheirada, que ficava na rua Paissandu. As três pensões, como eram chamados esses saudosos cabarés do meu tempo, mantinham danças animadas e muito se dançava com as fogosas quengas, garotas de excessiva senvergonhice. Havia movimentado serviço de bebidas nos salões cobertos e ao ar livre.

As raparigas, no mau sentido, recebiam os fregueses em quartos bem arrumados, de penteadeira, cama e rede. Depois das libidinagens, se o sujeito não queria dormir na tipóia de varandas, dava-se o pagamento. Os quebrados enrolavam as meninas e conseguiam passar CHUMBO, mas as enganadas gritavam e xingavam o chumbista a bom xingar e o acusavam de práticas sexuais condenadas naqueles tempos ainda de anormalidade. As pegas residiam no próprio cabaré. Pagavam diária à cafetina.

No carnaval as raparigas se fantasiavam ricamente para o corso de veículos. Fretavam caminhões, os mais aplaudidos.

Ainda na década de 40 e 50 esses cabarés ofereciam o melhor espetáculo noturno de Teresina. Neles se misturavam estudantes, motoristas, professores, magistrados, comerciantes, pobres, ricos, em busca de sexo.

Na Piçarra, dava os trunfos a Calu. Negra boa. Facilitava as cousas.

Eu gostava dessas casas noturnas de garotas apetitosas vindas do Ceará, do Maranhão, do interior do Piauí. De manhã elas dormiam. De tarde recebiam quase sempre os machos de sua amigação. De noite, faziam o comércio carnaval. Mulheres que viviam o drama humano e social de viver na profissão de que a Bíblia dá conta. Os homens tinham pavor de doenças venéreas.

No cabaré a gente dançava e bebia antes do pecado maior.

Madrugada já, o saxofonista vomitava a dolência da música falando de amor. Ebrios cambaleavam. As garotas mais felizes, depois dos arrulhos, ainda arrumavam pagante da ceia nos freges das redondezas. Com os primeiros traços da claridade do dia, chegava o cansaço da noite, do álcool e dos movimentos na cama do quarto mal iluminado.

Com os amigos, eu ia quase diariamente a esses gostosos antros de prostituição. Nesse tempo as raparigas recebiam a denominação de GATOS. Quando chegavam novas levas de mulheres de São Luís e de Fortaleza, dizia-se que novos GATOS convidativos faziam as noites festivas da Raimundinha, da Rosa e da Gerusa.

Era bom. Sem AIDS. Sem violência. Sem lei da faca e do revólver. Nunca me esqueci dos cabarés da rua Paissandu, os animados cabarés, hoje derribados por força dos novos tempos de MOTÉIS e do capim das praças abandonadas de Teresina.

Era bom. Ah, os meus velhos cabarés, testemunhas de uma época feliz e de muito gozar.


A. Tito Filho, 03/03/1991, Jornal O Dia, p. 4

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