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sexta-feira, 4 de maio de 2012

LINGUAGEM

Cada dia que passa mais se deteriora o ensino do português, um ensino que padece, desde longos anos, de malferidos princípios didáticos, métodos antipedagógicos e da sisudez professoral - magister dixit, empanturrando de sabedoria falsa e empáfia verdadeira. Regras, regrinhas e regrões entopem as páginas de dezenas de gramáticas, e cada uma delas oferece novas, a modo de originais e sábias, e fórmulas complexas para entendimento de cousas simples, e nomes esquisitos, geralmente gregos, para batismo de fenômenos ao alcance de humildes inteligências. Os compêndios de ensinança se abastecem de denominações como caractrese, apócope, rizotônica, ênclise, zeugma, endoidecedoras de pobres estudantes do idioma. Na década de 60 criou-se a nova nomenclatura gramatical brasileira, nascida oficialmente do ministério da Educação e assim imposta ao magistério, em todos os cantos do país. Agora a gramática seguiria a bitola convencional. Oficializava-se a reza ou recitativo dos compêndios no ensino da fonética, da morfologia, da sintaxe. Nesse figurino sujeito e predicado constituem os termos essenciais da oração.

Deslembraram-se do significado de essencial: indispensável, necessário, e logo se decretou a existência da oração sem sujeito. Se sujeito se tem como essencial, difícil admitir que a oração exista sem a sua essência. Que seria oração sem sujeito? Aquela dos verbos expressivos de fenômenos da natureza, quando a esses verbos muito bem se atribuiria sujeito interno, como fazem os franceses no caso de chover, trovejar e outros. Antigamente, nas questões de análise sintática os mestres sadistas adotavam textos de "Os Lusíadas", poema que Camões escreveu na ordem inversa, - e exigia-se que os garotos descobrissem o sujeito, como se fossem Xerloques Ingleses em busca do assassino misterioso. Grande tormento ainda está na aprendizagem do aumentativo dos nomes comuns.

Não se agasalhava a voz popular rica de sabedoria e que, com muito critério, diz, no linguajar do dia-a-dia, cartona, copão, pratão - e só em determinados e raros casos o povo se utiliza do grau analítico, jamais o sintético das excentricidades gramaticais, fugindo à língua viva, para consentir na bocarra, manzorra e outras semelhantes. Nos chamados adjetivos pátrios ou gentílicos os discípulos vêem alma à luz do meio-dia pois devem meter na cachola dezenas de esquisitices, criadas pela fértil imaginação de fabricantes de livros de ensinança de bem falar e escrever a língua portuguesa e de professores carrancudos, vaidosos e truculentos. A meninada endoida-se e os pais enlouquecem em busca de adjetivo referente a quem nasce em Três corações, pátria de Pelé. Para Jerusalém, registrou-se o adjetivo hierosolimitano, repudiando-se o bom jerusalenense. Nada mais nada menos do que o samba do crioulo doido. E o lase a perigosa existência, mas se transformam em heróis no jornalismo e na concepção de gente humilde. Reformem-se as estruturas sociais do Brasil com urgência. Não é possível que pequena porção dos brasileiros tenha existência fútil, dissipando em festas ruidosas e episódios paradisíacos, numa gritante afronta aos que se entregam ao trabalho honesto e digno, público como privado. Está na hora de ceder, tanto os latifundiários que exploram a terra e o homem como os capitães de indústria e os tubarões da economia que sugam os restos de resistência do trabalhador nacional, na indústria como no comércio. Os homens do dinheiro continuam na nefasta teimosia de levar o país ao desespero.

 
A. Tito Filho, 29/12/1991, Jornal O Dia, p. 4

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