Quer ler este este em PDF?

domingo, 20 de maio de 2012

NOVEMBRO FEIO

A pessoa alguma convém testemunhar pessimismo sobre o Brasil. Mas o otimismo tem os seus limites. Não é justo que se adote a crença num país em que as noites e os dias revelam total desagregação de responsabilidades. O desespero prevalece com o seu cortejo de desesperança. Deterioram-se os caracteres. Todas as atitudes negativas se adotam contra o país em que enriquecimento ilícito e a ganância constituem fatos corriqueiros do dia-a-dia, sob denúncias da altivez dos órgãos de comunicação. Os ensinamentos de João XXIII, na sua imensa MATER ET MAGISTRA não encontram acolhida nos governantes nem na compreensão das elites dirigentes. Que pretendeu o Papa admirável na eternidade das suas lições? Queria que os homens SOCIALIZASSEM os bens da vida. A socialização daquelas cousas que fossem as necessidades fundamentais da família, de forma que todos tivessem o lar, o alimento, a educação, a saúde, o pedaço de terra, como filhos de Deus, como criaturas humanas.

X   X   X

Antigamente o campo produzia. Exportava-se. Juscelino enterrou bilhões de dólares para fazer Brasília, uma cidade cercada de favelas por todos os lados. Os patrícios abandonaram o campo e buscaram as cidades grandes, que hoje suportam dois terços da população, e a zona rural abriga apenas um terço. Os problemas das megalópoles sufocam. Rio, São Paulo, Teresina, Recife mostram crianças famintas buscando restos de comidas nas latas de lixo. As fortunas mirabolantes de poucos afronta a miséria de milhões. A prostituição de meninas de 12 anos tornou-se vergonha nacional. Alta-roda vive de escândalos amorosos. Saqueia-se o país com o conhecimento às vezes de altas autoridades e estas também às vezes praticam os crimes contra os cofres públicos. Vigora o calote oficial. Fecham-se hospitais porque o governo lhes nega o pagamento durante meses. Liquidou-se o sistema educacional brasileiro. Ninguém crê na escola pública, em que professores improvisados se sujeitam a vencimentos infames. Espalha-se por toda parte a escola particular, em que os donos enriquecem e os mestres não recebem fiscalização alguma por parte dos órgãos de governo. Os salários mínimos mal cobrem as despesas de uma péssima refeição diária. Abundam na República imperialista brasileira os chamados marajás, e os tribunais se entopem de parentes e aderentes dos ministros e desembargadores, sem que compareçam ao trabalho, mas percebem contracheques polpudos, da mesma forma que nos gabinetes dos deputados e senadores. O que funciona neste país? Nada, salvo assaltos, vinganças, roubos, tráfico de drogas. A democracia nacional, com milhões de famintos e analfabetos, marcha para o abismo. Recentemente os jornais e as tevês propalaram o superfaturamento de bicicletas, guarda-chuvas, mochilas e sustenta-se que o ministro tinha conhecimento dos fatos passados na Fundação Nacional de Saúde. A acusação parte da exonerada presidenta do órgão. Ao lado desta, verificam-se denúncias de que recursos são atirados fora, atirados aos porcos. e apontam-se repúblicas dentro da República, como escreve a TRIBUNA DA IMPRENSA. Cada ministro, com raras exceções, distribui verbas para o Estado onde nasceu.

X   X   X

Faz poucos dias, em pronunciamento ao Brasil, o presidente Collor criticou severamente os empresários. QUEM NÃO TEM COMPETÊNCIA NÃO SE ESTABELECE, disse. Se o negócio não rende, deve ser fechado e o dono abrirá um boteco. Achou o primeiro mandatário que se torna fácil liquidar uma indústria ou um comércio e montar um botequim na esquina, esquecendo-se Collor das altas taxas de juros e o aumento constante das matérias-primas. O próprio governo aumenta preços de dez em dez dias. Gasolina, energia, água, telefones, taxas de comércio.

X   X   X

A imprensa gozou a fala presidencial sustentando também que o presidente não dá conta das promessas feitas na campanha eleitoral. A inflação sobe. Os preços são incontroláveis. Devia pois estabelecer-se com outro negócio.

X   X   X

Não se resolvem problemas sérios com a mudança de ramo de negócio. Assim seria fácil governar o Brasil.


A. Tito Filho, 24/12/1991, Jornal O Dia - p. 4

Nenhum comentário:

Postar um comentário