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quinta-feira, 17 de maio de 2012

BARULHEIROS

No meu modesto livrinho ANGLO-NORTE-AMERICANISMO NO PORTUGUÊS DO BRASIL, registrei ROCK-AND-ROLL e expliquei que ROCK aí se emprega na qualidade de agitar, ROLL vale o mesmo que enrolar, gingar. O composto designa a dança de movimentos extravagantes nos Estados Unidos, por volta de 1952, refletindo as profundas mudanças na psicologia da juventude, que surgia, violenta, de um dos períodos mais dolorosos da história, a II Grande Guerra.

Nestes últimos dias do triste janeiro de 1991, a Rede Globo se dividiu entre dois acontecimentos imbecis: a guerra do Golfo Pérsico e os espetáculos do ROCK-IN-RIO, uma propaganda subserviente da música dos STATES. Embora não suporte essas estúpidas grosserias contra a arte musical, consenti em presenciar, pela televisão, algumas cenas da maluquice de objetivo determinado: a conquista do dinheiro de milhares de moçoilas e moçoilos nacionais, ébrios de futilidade.

Notei logo a cabeçola dos intérpretes principais. Cabelos compridos até os peitos, oferecendo idéias de pederastia e falta de higiene.

Houve tempo em que meninos e meninas usavam cachinhos. A trunfa foi símbolo de coragem pessoal, como o cacho usado pelos homens do cangaço nordestino. As prostitutas recebiam o castigo do cabelo raspado. Nos colégios, os alunos de cabelo aparado recebiam vaia. No romantismo a condição de poeta exigia basta cabeleira.

Os cabelos estão na história e na lenda. Material folclórico de subido valor. A escritora George Sand decepou a maçaroca e enviou-a a Musset como lembrança de Sansão e Dalila revela que os cabelos trazem força física.

Que deseja nos dias de hoje essa mocidade de cocó e brincos? Trajes espalhafatosos e desenfreio? Simplesmente protestar contra a sociedade gananciosa que a abandonou e ganhar dinheiro por conta dos trouxas.

Vi as cenas televisivas em que cantores cantavam aos gritos e se movimentavam de todos os modos, para a frente, para trás, cabelões rebolados dum lado para o outro, a imensa massa humana, atoleimada, braços levantados, gritinhos sufocados. Um espetáculo de loucura coletiva como a do Golfo Pérsico.

Recordei os meus velhos tempos de garoto ginasiano do Liceu Piauiense. Se me lembro quanto dos dias de gala do Teatro 4 de Setembro, com a exibição de notáveis companhias teatrais, as de Jaime Costa, Álvaro Pires, Barreto Júnior. E a Marquise Branca? Naquele dia saí de casa calçado nas gastas botinhas feitas na penitenciária que os gênios tupiniquins derribaram. Papai me deu dois mil réis, dinheiro de lei, bem sonante. Fui ver a Marquise Branca, de carnes bem brancas; apetitosas, com as garotas de coxas e pedaços de barriga de fora, curiosidades ainda escondidas. Meu pai não podia comparecer a essas noitadas gostosas. Os maridos ficavam privados, permaneciam em casa, caladões, na rede cheirosa, sonhando de olhos abertos com os mimosos repostas novos que o espetáculo oferecia. As garotas dançavam e cantavam. Umas gostosuras. * números artísticos. Cantores e cantoras consagrados. Na moda, o samba, o tango, a mazurca. Composições divinas. Interpretações magníficas. Nunca me abandonou a memória a cena de arte verdadeira. No palco, o público junto ao poste, saiazinha erótica, mecha de cabelo atrapalhando um dos olhos, ela, a rainha das cenas, num momento inesquecível, cantando o famoso FUMANDO ESPERO, AQUILO QUE MAIS QUERO. Um tango inspirado na beleza das lições eternas da arte musical.

Era bom. Dormia-se tranqüilo, doido por uma das meninas de Marquise Branca de tela com a gente.

Era bom, mas tudo passa. Hoje, roqueiros metaleiros e, ao cabo de contas, BARULHEIROS fazem que a vida seja ruindade.

 
A. Tito Filho, 30/01/1991, Jornal O Dia - p. 4

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* Não está visível no original

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