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sábado, 12 de maio de 2012

OS TRÊS SILVESTRES

Não conheci o meu avô paterno. Quando vim ao mundo, ele já se havia despedido desta vida para outra que suponho pior. Chamava-se SILVESTRE TITO CASTELO BRANCO. Foi vereador em Barras do Maratoã, uma vilazinha pacata do norte piauiense. Pobre, mas respeitado. Família de muitos filhos, mulheres e dois varões. Estes se educaram com a ajuda de amigos. Quando morreu, meu pai lhe herdou as dívidas e as saldou, um por uma.

No livro de memórias ÚLTIMAS PÁGINAS, Cristino Castelo Branco escreveu este trecho: "Lembro-me agora em março do desembargador José de Arimathéa Tito, meu antigo companheiro do Tribunal de Justiça do Piauí, cinco anos mais velhos do que eu, pois nascera a 18 de março de 1887. Pertencia à família Castelo Branco, filho que era de Silvestre Tito Castelo Branco, mas o pai, brigado com os parentes, tirou dos filhos o nome de família".

De feito, meu avô não quis que nenhum dos filhos se assinasse CASTELO BRANCO, homens e mulheres. O primeiro varão chamou-se SILVESTRE, por extenso SILVESTRE TITO FILHO. Deveria ser SILVESTRE TITO CASTELO BRANCO FILHO, mas o pai, teimoso que nem mula, lhe decepou o nome familiar famoso. Na família foi o segundo SILVETRE. Bem alvo, olhos azuis, andou pela capital no Pará feito funcionário público. Adquiriu banhas. Um tanto buchudo. Gostava dos livros, sobretudo os de direito. Danou-se de saudades e regressou à casa paterna, em Barras. Tornou-se advogado, embora sem diploma de faculdade. Escrevia bem. Apreciava uma boa pinga, como de modo geral sempre a apreciaram os barrenses de todas as categorias.

Silvestre Tito Filho nunca se casou. Era meu padrinho, boníssimo padrinho, que sempre me presenteava uns tostões para os rebuçados e os bolinhos que as doceiras de Barras faziam com requintes da difícil arte culinária.

Nunca me esqueci do episódio. Noitinha do dia 6 de fevereiro de 1933 eu me despedi do meu querido padrinho e tio, e ele me deu uma moedinha de bom metal, de mil réis, que na época se denominava CENTENÁRIO, cunhada em homenagem aos primeiros cem anos da independência nacional. Trazia de um lado as efígies de Pedro I e Epitácio Pessoa, o presidente das festas comemorativas.

Dia 7 de fevereiro, madrugada, viajei no caminhão do Crueira, motorista mito conhecido e estimado dos barrenses. Nove da noite, cheguei a Teresina, no Colégio diocesano, como aluno interno, e o padre Joaquim nonato, bom amigo, diretor do educandário, me transmitia a notícia triste que tio Silvestre havia falecido de modo repentino.

Faz poucos dias faleceu em Teresina um terceiro SILVESTRE, nome todo SILVESTRE TITO NETO. Deveria ser Silvestre Tito Castelo Branco Neto. Morreu-lhe a mãe muito cedo, irmã de meu pai, e o pai viúvo logo se casou de novo e deixou com duas tias solteironas os dois filhos havidos do primeiro casamento. Largou a segunda esposa, e tornou-se comissário do Lóide Brasileiro, em cujos navios transitava pelos mares do planeta. Faleceu no começo da década de 50.

Silvestre Tito Filho criou-se sempre pobre, sustentado pelas tias, que lhe davam afeto e carinho. Não teve recursos para estudar. Garoto ainda prestou concurso de carteiro e empregou-se nos Correios de Teresina, fez carreira e aposentou-se. Sempre de exemplar honestidade. Dedicado chefe de família. De inatacável fidelidade à palavra empenhada. Meu companheiro de férias, ao velho Marruás, aonde fomos com os outros primos, no final de cada ano, para os festejos religiosos promovidos pela humilde igrejinha da vila, depois cidade.

Ma(i)s um bom Castelo Branco dos bons que se foi.


A. Tito Filho, 05-06/05/1991, Jornal O Dia

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